O Brasil era um país diferente quando Izabella Teixeira comandou o Ministério do Meio Ambiente, entre os anos 2010 a 2016. Mas, para ela, não é mais possível reproduzir as condições do passado. Depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e do governo Jair Bolsonaro — que Teixeira considera desastroso —, é preciso pensar em soluções ambientais que possam ser mantidas independente do mandatário vigente. “Essa questão dos retrocessos é uma preocupação latente na minha cabeça”, afirma.
Uma das principais vozes nas questões climáticas, atualmente Teixeira é copresidente do Painel Internacional de Recursos, plataforma político-científica do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Em 2022, foi convidada a integrar as “Amigos da COP27”, grupo formado pelos mais importantes representantes da área climática, cuja função é auxiliar em decisões da Conferência do Clima da ONU, que neste ano é realizada no Egito, entre os dias 6 e 18 de novembro.
Em conversa com a Conectas, a ex-ministra fala sobre as perspectivas para o evento, detalhando quais devem ser os pontos de atenção, reflete sobre o que muda na área socioambiental com o anúncio da vitória do presidente Lula e analisa o rastro deixado por Jair Bolsonaro em quatro anos consecutivos de recordes de desmatamento.
Acho que cria uma expectativa do Brasil voltar a ter um papel estratégico na agenda do clima, de ser um país que realiza, que promove desenvolvimento, que valoriza o sistema multilateral… E é simbólico o fato do Lula participar de uma COP na África, porque ele sempre viu a agenda do clima associada às questões sociais.
Ele mostra que o Brasil tem uma voz política de acolhimento e de afirmação dos direitos dos povos tradicionais, e isso vai dialogar com o mundo de uma maneira muito importante. O Lula é um líder em um mundo que carece de líderes. Sua volta tendo essa área como prioridade oferece à agenda climática global mais do que esperança, oferece também uma assertividade de construção política, onde a cooperação internacional deve moderar esses benefícios globais além dos interesses nacionais.
No meu entendimento, essa é uma COP que vai ter que prover resultados e legado para a África. É um continente que tem uma pobreza muito profunda. Por isso, defendo abertamente que devemos buscar caminhos não só para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC [seguindo a meta do Acordo de Paris], mas também para atender a esses países que estão expostos. Os eventos extremos são cada vez mais frequentes e em maior magnitude, temos que saber lidar com isso.
Por outro lado, ainda tem a questão do financiamento climático, que se torna cada vez mais convergente com o financiamento de desenvolvimento. Da mesma maneira que falávamos no passado de desenvolvimentismo, a gente vai falar de “climatismo”, ou algo do tipo, porque a agenda climática e a inovação tecnológica modelam o que é o século 21. É por aí que vamos buscar as soluções de desenvolvimento para o mundo, associando a recuperação da natureza ao bem estar. A COP vai ter que trabalhar com essa complexidade geopolítica e com a perspectiva de uma recessão para o ano que vem, no momento em que acontece uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Essa é uma COP que, além da segurança energética, certamente também vai abordar a discussão de segurança alimentar, a questão da fome, a questão da produção de alimentos e a inflação sobre a cadeia de alimentos. É uma coisa que preocupa o mundo, porque também entra na questão da saúde pública, que é um assunto superquente, uma vez que os efeitos do clima levam à vulnerabilidade da segurança alimentar. E a COP na África é um palco excepcional para isso, inclusive, porque há um discurso na Europa e nos EUA de lutar contra o novo processo de colonização da África.
A Amazônia tem um papel estratégico porque não tem como limitar o aquecimento global a 1,5 ºC sem que ela esteja em pé. O que muda agora é que temos a presença de um país que tem 65% da Amazônia comprometido com a sua preservação. É um grande sinal para o multilateralismo, para a ONU. A presença do Lula na COP coloca a conversa em outro patamar. É importante o Brasil ver a Amazônia como catalisadora dos interesses nacionais e dessas trajetórias comuns de cooperação em relação à questão climática, não só de mitigação, mas de adaptação. Isso tem reflexo nas relações bilaterais, trilaterais e regionais.
Isso ativa o reconhecimento do papel político dos povos tradicionais na sociedade. É muito importante porque converge com um movimento internacional de reconhecimento dos direitos destes povos. É um alinhamento do Brasil com as questões mais contemporâneas. Ao deixar o desmatamento, as mazelas e enfrentar a desigualdade, estamos apostando numa Amazônia mais justa, mais protegida e mais desenvolvida.
Acho que tudo do governo Bolsonaro em relação a essa agenda é um fracasso. Tudo é desastroso, porque não pressupõe nenhum respeito às instituições, nenhum respeito à trajetória de políticas públicas. Três coisas representam bem isso: a primeira é a perda do controle do desmatamento, e o fato de a Amazônia ser dominada pelo crime organizado. Isso é de uma complexidade sem precedentes. O segundo ponto é a desastrosa exposição das instituições, fragilizando totalmente a questão ambiental, como vimos com o IBAMA, e favorecendo os sinais contrários da agenda. Ou seja, aumentou-se o desmatamento, fragilizou-se o controle e implodiu-se a regulação. A segurança jurídica dessa área foi totalmente comprometida.
Ao colocar as Forças Armadas para fazer a fiscalização do meio ambiente, o governo também expôs essa instituição a uma competência que ela não tem. Seria a mesma coisa que pedir para um fiscal do Ibama comprar um tanque. As Forças Armadas são competentes para tantas coisas, sempre trabalharam conosco no apoio logístico do enfrentamento ao crime, mas ficaram expostas à incompetência de um modelo que o governo Bolsonaro adotou. As instituições brasileiras sobreviveram por um ato heróico, é importante entender isso. O SUS é um bom exemplo. Mas é uma coisa aviltante! Da educação ao meio ambiente, não ficou nada no Brasil. Em terceiro lugar, o governo Bolsonaro destruiu todos os caminhos e projetos de cooperação internacional no Brasil.
Isso tudo que mencionei foi reforçado pela perda dos espaços políticos da sociedade civil. Eles acabaram com as instituições, inclusive, as científicas, e acabaram com os espaços políticos de representação de diálogo com a sociedade civil. Foram todos aniquilados. A ponto de que o modelo de governança climática que o governo aprovou é uma relação do governo com o setor privado.
O novo governo vai ter que entender o que funcionou no passado, e também vai ter que ter ousadia para pleitear novos caminhos a fim de evitar retrocessos. Não adianta voltar ao que era antes. O mundo agora é outro. É preciso pensar em soluções que possam ser mantidas para daqui a dez anos, sem permitir o retrocesso que aconteceu agora. Como vamos garantir o controle do desmatamento, independente do governo? Essa questão dos retrocessos é uma preocupação latente na minha cabeça.
Temos que trazer o futuro para o presente, não discutir o presente esperando o futuro. É preciso desenhar o que você quer lá na frente, pensando no que é necessário para assegurar que isso aconteça, paulatinamente. Isso é domínio de trajetória, domínio de processos e domínio de visão.