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04/04/2022

Entrevista: como a covid-19 impactou a comunidade indígena Boca da Mata

Yara Pinho de Lima, indígena do povo Macuxi e antropóloga, conta sua experiência e da sua comunidade durante a pandemia de covid-19

Yara Pinho de Lima, indígena do povo Macuxi e antropóloga (Foto: Arquivo Pessoal) Yara Pinho de Lima, indígena do povo Macuxi e antropóloga (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma ameaça invisível afetou em cheio as relações sociais na comunidade indígena Boca da Mata, em Roraima. O vírus da Covid-19 transformou a vida em comunidade dos indígenas. Enquanto a circulação da doença aumentava, as atividades comunitárias diminuiam e, com isso, a estrutura social e cultural do povo era impactada. 

Este contexto é apresentado pela antropóloga Yara Pinho de Lima, indígena do povo Macuxi, no artigo “Impacto da Covid-19 para os povos indígenas da Aldeia Boca da Mata – Roraima”, publicado na edição 31 da Revista Sur. Graduada em Antropologia pela Universidade Federal de Roraima, Yara é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da mesma universidade e integrante da Articulação Brasileira de Indígenas Antropólogos. A pesquisadora foi uma das quatro bolsistas da Sur em 2020. Para a Conectas, ela traz alguns elementos de seu texto. 

Acompanhe a entrevista: 

Qual o tema de seu artigo publicado na revista Sur?

O meu artigo trata sobre apandemia dentro da minha comunidade Boca da Mata, que fica na região do Alto São Marcos, norte do estado de Roraima, divisa com a Venezuela. Eu procurei entender o enfrentamento da pandemia dentro desta comunidade indígena. Como sou da comunidade, sei de todos os desafios que é viver em uma aldeia indígena. Sei que a base da vivência ali é o coletivo, é viver em coletividade, é participar de assembleias para estar tratando sobre a questão da educação, da saúde e de outros temas relacionados a nossa comunidade. Então, quando a pandemia chega, há uma interferência nessas relações [comunitárias]. O viver em coletividade, ir para as roças e outras atividades são suspensas. 

Procurei apresentar no meu artigo relatos das lideranças tuxaua — o mesmo que cacique para outros povos –, relatos de profissionais de saúde, de professores indígenas, que  também têm um papel de liderança. Ainda tem a questão da influência da igreja [há várias igrejas dentro da comunidade indigena] e também a multiétnica [cita três povos indígenas].

Como se deu a resistência à vacina da covid-19? 

Tinha um pai de família na comunidade que não vacinava os filhos e ele assinava um termo de responsabilidade. [O discurso] era que a vacina era de fora, de branco, que o branco estava querendo matar o indígena. Então, vemos desde antes da pandemia uma resistência em relação à vacinação. Entrevistei uma profissional de saúde de uma comunidade vizinha e o contexto de resistência também não aconteceu somente a partir da Covid-19. Claro, não são todos. A comunidade tem internet e isso gera pontos negativos e pontos positivos. Porque, tem a  questão das fake news e a influência dentro das igrejas — alguns pastores falam que tem que se vacinar e outros falam que não tem.

Nos relatos que você apresenta no artigo da Sur, há ênfase nas dificuldades de convívio social no período pandêmico, ainda mais se tratando de uma comunidade, você poderia falar um pouco mais sobre as mudanças de rotina que a população da Aldeia Boca da Mata sofreu?

Teve essa questão das barreiras, criar barreiras na frente da comunidade mesmo, porque, como a aldeia fica às margens da rodovia BR-174, eles fecharam para evitar a passagem de pessoas dentro da comunidade, uma maneira de evitar o espalhamento da covid-19. Mas o vírus chegou na nossa comunidade. Foram suspensas as atividades escolares e os próprios profissionais de saúde foram infectados. Foi chocante [saber] do primeiro infectado dentro da comunidade, as pessoas já ficaram com medo: “vai se espalhar, como vamos lidar com isso?”. Então, cada um ficou se cuidando da maneira que pode. Teve essa questão de receber também o auxílio emergencial, já que as atividades foram suspensas e os parentes não conseguiam fazer o ajuri [mobilização comunitária para um trabalho em conjunto. O ajuri acontece quando é feito um mutirão para limpeza da comunidade, ou quando vão “abrir” uma roça, ou seja, realizar uma atividade envolvendo toda a comunidade].

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