Uma ameaça invisível afetou em cheio as relações sociais na comunidade indígena Boca da Mata, em Roraima. O vírus da Covid-19 transformou a vida em comunidade dos indígenas. Enquanto a circulação da doença aumentava, as atividades comunitárias diminuiam e, com isso, a estrutura social e cultural do povo era impactada.
Este contexto é apresentado pela antropóloga Yara Pinho de Lima, indígena do povo Macuxi, no artigo “Impacto da Covid-19 para os povos indígenas da Aldeia Boca da Mata – Roraima”, publicado na edição 31 da Revista Sur. Graduada em Antropologia pela Universidade Federal de Roraima, Yara é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da mesma universidade e integrante da Articulação Brasileira de Indígenas Antropólogos. A pesquisadora foi uma das quatro bolsistas da Sur em 2020. Para a Conectas, ela traz alguns elementos de seu texto.
O meu artigo trata sobre apandemia dentro da minha comunidade Boca da Mata, que fica na região do Alto São Marcos, norte do estado de Roraima, divisa com a Venezuela. Eu procurei entender o enfrentamento da pandemia dentro desta comunidade indígena. Como sou da comunidade, sei de todos os desafios que é viver em uma aldeia indígena. Sei que a base da vivência ali é o coletivo, é viver em coletividade, é participar de assembleias para estar tratando sobre a questão da educação, da saúde e de outros temas relacionados a nossa comunidade. Então, quando a pandemia chega, há uma interferência nessas relações [comunitárias]. O viver em coletividade, ir para as roças e outras atividades são suspensas.
Procurei apresentar no meu artigo relatos das lideranças tuxaua — o mesmo que cacique para outros povos –, relatos de profissionais de saúde, de professores indígenas, que também têm um papel de liderança. Ainda tem a questão da influência da igreja [há várias igrejas dentro da comunidade indigena] e também a multiétnica [cita três povos indígenas].
Tinha um pai de família na comunidade que não vacinava os filhos e ele assinava um termo de responsabilidade. [O discurso] era que a vacina era de fora, de branco, que o branco estava querendo matar o indígena. Então, vemos desde antes da pandemia uma resistência em relação à vacinação. Entrevistei uma profissional de saúde de uma comunidade vizinha e o contexto de resistência também não aconteceu somente a partir da Covid-19. Claro, não são todos. A comunidade tem internet e isso gera pontos negativos e pontos positivos. Porque, tem a questão das fake news e a influência dentro das igrejas — alguns pastores falam que tem que se vacinar e outros falam que não tem.
Teve essa questão das barreiras, criar barreiras na frente da comunidade mesmo, porque, como a aldeia fica às margens da rodovia BR-174, eles fecharam para evitar a passagem de pessoas dentro da comunidade, uma maneira de evitar o espalhamento da covid-19. Mas o vírus chegou na nossa comunidade. Foram suspensas as atividades escolares e os próprios profissionais de saúde foram infectados. Foi chocante [saber] do primeiro infectado dentro da comunidade, as pessoas já ficaram com medo: “vai se espalhar, como vamos lidar com isso?”. Então, cada um ficou se cuidando da maneira que pode. Teve essa questão de receber também o auxílio emergencial, já que as atividades foram suspensas e os parentes não conseguiam fazer o ajuri [mobilização comunitária para um trabalho em conjunto. O ajuri acontece quando é feito um mutirão para limpeza da comunidade, ou quando vão “abrir” uma roça, ou seja, realizar uma atividade envolvendo toda a comunidade].