Um acordo de paz extenso e amplamente negociado entre o presidente Juan Manuel Santos e o líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Rodrigo “Timochenko” Londoño, fechado na presença de chefes de Estado e chancelado pelo voto popular. Esse era o desfecho vitorioso previsto pelo governo colombiano para colocar fim a um dos mais extensos e sangrentos conflitos da região se não fosse um detalhe: a vitória do “Não” no plebiscito de outubro.
Após o revés nas urnas, um novo pacto foi estabelecido e aprovado pelo Congresso colombiano no último dia 1º de dezembro – desta vez, sem consulta popular. Mas ainda assim a queda de braço entre governo e a oposição, contrária aos termos do acordo, não deverá terminar tão cedo.
Para compreender melhor o tema e sua complexidade, Conectas entrevistou a advogada colombiana e ativista de direitos humanos Viviana Bohórquez Monsalve, que explica o que mudou no texto aprovado pelo Congresso e avalia os desafios para sua implementação.
“A discussão técnica é se a consulta é popular ou representativa – popular significa ter outro plebiscito e representativa pelo Congresso. Acredito que existe um setor da Corte que quer apoiar o processo de paz e avançar, mas é uma decisão com aspectos técnicos que não torna a solução do problema tão fácil”, analisa Monsalve.
Confira a seguir:
Conectas: O que muda no texto aprovado com relação ao rejeitado pelos colombianos no plebiscito de outubro?
Viviana Bohórquez Monsalve: São vinte e seis os pontos do novo acordo. Em termos gerais, o coração do acordo foi mantido. Uma das questões fundamentais era o reconhecimento das FARC como organização política, com possibilidade de ganhar assentos no parlamento. Esse ponto não foi alterado: em troca de deixar as armas, as FARC conquistam cinco assentos no Senado e mais cinco na Câmara a partir de 2018. Por outro lado, o novo acordo deixa claro que os membros das FARC que forem a julgamento deverão ser submetidos ao código penal do país, algo que a organização não aceitava. Um ponto que apresentou grande modificação foi o poder da Comissão de Acompanhamento, que dava grande poder de decisão sobre a implementação e que continha membros das FARC. Seu papel foi reduzido sensivelmente para não se chocar, por exemplo, com decisões da Corte Constitucional.
Conectas: Após o resultado do plebiscito, como se comportaram o governo, as FARC e a oposição?
Monsalve: A primeira coisa que se viu [após o resultado do plebiscito] foi uma mobilização social promovida por estudantes universitários, que exigiam um novo acordo de paz e sua implementação. A mobilização foi de grande magnitude e deu nova energia ao processo e esperança para seguir adiante. O governo não tinha muito claro qual era o plano B, mas passados alguns dias, decidiu se reunir com os representantes do NÃO e escutar suas propostas. As FARC também escutaram as propostas do NÃO e receberam em Havana alguns representantes da sociedade civil e das igrejas católica e evangélicas. Estive pessoalmente em Havana na reunião entre as FARC e as organizações de mulheres e LGBTs discutindo a questão de gênero nos acordos. Muitas pessoas votaram contra o plebiscito devido à manipulação sobre o tema, com o discurso de que se estava promovendo a homossexualidade. Por isso as igrejas também entraram na discussão, inclusive sugerindo tirar os LGBTs do acordo de paz, ignorando o fato de haver quase 2.000 vítimas registradas do conflito desse grupo. Em termos gerais, o governo tratou de fazer a tarefa em poucos dias e de consolidar um novo texto em consenso com as FARC, recebendo delegados indicados pela oposição para ouvir suas propostas.
Conectas: Por que desta vez se decidiu aprovar o acordo somente no Congresso Nacional?
Monsalve: A decisão foi tomada pelo governo, uma vez que possui o apoio de 70% do Congresso. O Centro Democrático [de oposição] não quis participar, não compareceu às votações e, por esse motivo, o resultado foi unânime.
Conectas: O novo acordo perde legitimidade política sem uma consulta popular? Qual foi a reação da população colombiana?
Monsalve: O novo acordo tem pouca legitimidade e claramente os líderes da oposição não estão contentes e querem atrasar o processo até 2018, quando acontecem as próximas eleições. Além disso, a Corte Constitucional deve decidir a constitucionalidade do Ato Legislativo 01 de 2016, mais conhecido como “Ato Legislativo para a Paz”, o qual contém disposições sobre instrumentos jurídicos para facilitar e assegurar a implementação e desenvolvimento normativo do Acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura. A Corte já iniciou a discussão do tema, mas ainda não houve decisão pública. A discussão técnica é se a consulta é popular ou representativa – popular significa ter outro plebiscito e representativa, pelo Congresso. Acredito que existe um setor da Corte que quer apoiar o processo de paz e avançar, mas é uma decisão com aspectos técnicos que não torna a solução do problema tão fácil.
Conectas: Quais são os desafios para a implementação do acordo?
Monsalve: Caso a Corte declare constitucional a aprovação por via legislativa, o governo pode dar continuidade à implementação, mas com um país dividido e com as FARC desconfiada do que vai acontecer. As FARC dificilmente vão acreditar em um processo se não houver garantias de sua implementação nos próximos anos. Principalmente diante da proximidade das eleições, uma vez que o novo presidente pode mudar as regras do jogo. A população tem se mobilizado nas ruas, mas cada vez menos. Além disso o atual presidente Santos tem uma baixa popularidade. Espera-se que a decisão da Corte saia antes do recesso de fim de ano. No Congresso, deve ser aprovada uma tramitação mais rápida. Por exemplo, a Jurisdição Especial para a Paz não estaria pronta em um ano por via ordinária. Por isso, para implementar os acordos, a aprovação deverá ser feita pelo mecanismo de “fast track”, que agiliza os tempos de tramitação dos projetos de lei e os atos legislativos que permitiriam implementar o acordado. Mas tudo isso, claro, vai depender da decisão Corte Constitucional.