Uma coalizão de entidades ingressou ontem (25) com um pedido no STF (Supremo Tribunal Federal) de suspensão das ações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19. O pedido foi endereçado ao ministro Edson Fachin, relator da ADPF 635 — ação proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) que pede que sejam reconhecidas e sanadas as graves violações ocasionadas pela política de segurança pública do Estado.
As entidades pedem que o STF determine a não realização de operações policiais em favelas durante a epidemia de Covid-19, salvo hipóteses absolutamente excepcionais, devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente e com a comunicação imediata ao Ministério Público. Nos casos extraordinários, as entidades pedem ao STF que determine cuidados excepcionais para não colocar em risco ainda maior a população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária.
A peça protocolada nesta terça foi proposta pelo PSB, autor da ADPF 635, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado e ISER, entidades habilitadas como amicus curiae na ação. Para as entidades, o quadro dramático de violação de direitos humanos na implementação da política de segurança do Rio de Janeiro agravou-se ainda mais desde o voto do ministro Fachin, em especial ante ao avanço da pandemia de Covid-19 nas favelas e periferias do Estado.
O julgamento da ADPF 635 teve início em 17 de abril, quando o relator, o ministro Edson Fachin, proferiu voto sobre as medidas cautelares solicitadas. Em seu voto, o ministro deferiu alguns dos pedidos liminares, relacionados à preservação de elementos da cena do crime e à melhoria da atuação dos órgãos de perícia técnico-científica; ao reconhecimento da excepcionalidade da realização de incursões policiais em áreas próximas a escolas, creches, postos de saúde e hospitais; à restrição ao uso de helicópteros como plataformas de tiro em operações policiais; ao aperfeiçoamento da atuação do Ministério Público fluminense. As entidades salientam, porém, que outros pedidos importantes não foram acolhidos, e que este reconhecimento é decisivo para salvar vidas nas favelas e periferias da cidade.
De acordo com dados da Rede de Observatórios da Segurança, a partir de abril, as operações policiais aumentaram no Estado do Rio de Janeiro e superaram os números de 2019, com um acréscimo de 27,9%. A letalidade policial também aumentou: apesar da queda no começo da epidemia, em abril de 2020, houve um grave aumento de 57,9% em abril e de 16,7% até o dia 19 de maio, em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados apontam, ainda, que as polícias do Rio de Janeiro usaram mais a força letal durante a pandemia do que nos meses equivalentes de 2019, quando o Rio teve o recorde de 1.810 mortes causadas por intervenção policial.
“É inaceitável que o Estado faça operações policiais que desrespeitam a vida, a proteção do domicílio e a saúde de moradores de comunidades pobres e vulneráveis nesse momento de pandemia”, disse Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas. “São jovens mortos, famílias destruídas, desrespeito à ação social de distribuição de cestas básicas em locais onde as balas e a repressão chegam antes da assistência social”, complementa.
As operações policiais vêm interrompendo o funcionamento de unidades de saúde e a distribuição de cestas básicas em favelas. Isto ocorreu nas recentes operações no Complexo do Alemão, Cidade de Deus e Providência, onde jovens negros foram assassinados em meio a ações de solidariedade empreendidas por coletivos locais. “O Estado, que pouco tem feito para conter a pandemia nas favelas e áreas periféricas, responde à maior crise sanitária em um século com o recrudescimento da violência. É preciso urgentemente parar o genocídio”, sustenta Wallace Corbo, advogado da Educafro, amicus curiae na ação.
“Essas medidas são absolutamente cruciais e poderiam ter salvado vidas como a do menino João Pedro e tantas outras crianças e adolescentes”, sustenta a defensora pública Lívia Casseres. “Uma política de segurança só se mostra compatível com a Constituição se for capaz de proteger a vida de toda e qualquer pessoa, inclusive as vidas negras, as vidas das favelas. Não há como aguardar mais tempo por uma decisão do STF, enquanto os mais vulneráveis amargam os piores e mais cruéis efeitos da ação inconstitucional e desproporcional das autoridades públicas encarregadas da segurança”, finaliza.