O Senado aprovou por 43 votos a 13 projeto de lei (PLS 333/2015) que aumenta o tempo de internação de adolescentes no sistema socioeducativo. A votação aconteceu a toque de caixa na terça-feira (14/7), mas o texto final foi publicado apenas na tarde de sexta-feira (17/7).
Acordada entre governo e oposição, a proposta foi apresentada como uma alternativa supostamente mais branda ao projeto de redução da maioridade penal (PEC 171/1993) aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados.
O PLS 333 foi apresentado há pouco mais de um mês pelo senador José Serra (PSDB-SP). O substitutivo é do senador José Pimentel (PT-CE). Com a aprovação, a proposta agora segue para tramitação na Câmara.
O texto do Senado eleva o tempo máximo de internação de adolescentes de três para dez anos em casos de homicídio doloso (com a intenção de matar) e de atos descritos na lei de crimes hediondos, sempre que cometidos com violência ou grave ameaça (como estupro e latrocínio). A partir dos 18 anos, o adolescente nessa situação deverá ser transferido para uma unidade ou ala separada dos demais. A construção dessa infraestrutura poderá ser contratada através de regime simplificado.
O texto também determina que o adolescente não poderá “receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto”, mas não deixa claro como isso será aplicado. Tampouco menciona o fato de que, no sistema adulto, o sentenciado tem direito à progressão de regime – no socioeducativo, dependerá da decisão do juiz a partir da análise de uma equipe técnica. Essa avaliação levará em conta requisitos como participação em atividades pedagógicas, mas também a gravidade da infração.
Segundo especialistas, essa é mais uma anomalia jurídica do projeto porque significa que, a cada seis meses, a Justiça decidirá novamente sobre o mérito do ato infracional. Como se supõe que o adolescente avaliado já se encontra no regime especial por conta de uma infração considerada grave, sua libertação fica ainda mais difícil. Ele pode melhorar seu comportamento, participar de todas as atividades educacionais e profissionais previstas, mas dificilmente conseguirá uma avaliação positiva porque ela sempre estará vinculada à gravidade de seu ato – que nunca vai mudar.
Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas, explica por que o aumento do tempo de internação pode ser tão nocivo à juventude quanto a redução da maioridade penal.
Quais são os problemas de projetos como esse?
São vários. O primeiro é a falta de debate público. O PLS 333 foi apresentado há pouco mais de um mês numa suposta tentativa de oferecer alternativas ao projeto de redução da maioridade. A matéria é importante demais para ser votada dessa maneira. Não houve consultas a especialistas, não foram feitos estudos sobre seu impacto e nem houve discussão entre os próprios senadores, já que o texto não passou por nenhuma comissão.
Em segundo lugar está a falsa ideia de que o aumento do tempo de internação pode reduzir a criminalidade. É um engodo. Vimos nos últimos anos 25 anos o fracasso da lei de crimes hediondos, que dificultou a progressão de regime no sistema adulto, mas foi incapaz de conter a criminalidade. Por que seria diferente com os adolescentes? Por fim, projetos como o PLS 333 coincidem com a redução da maioridade penal ao criarem uma falsa ilusão de que podem solucionar os problemas sociais do País através do direito penal, criminalizando uma juventude já abandonada pelo Estado. E isso não se arruma com alterações pontuais nos textos. Eles estão equivocados na natureza, na concepção completamente errônea de que o jovem é autor e não vítima da violência.
Qual o impacto dessa lei para os adolescentes que cumprem medida de internação?
O impacto da privação de liberdade sempre precisa ser colocado em perspectiva. Uma pena de oito anos, para um adulto de 40, tem um impacto relativamente menor que uma pena de seis para um adolescente de 12. Ao final do período, ele terá passado a adolescência inteira internado e isso tem consequências profundas em seu desenvolvimento. Esse é um dos pontos mais cruéis do projeto do Senado. Essa é uma fase crucial para a formação da pessoa, um momento em que seus valores são sedimentados. Temos de nos perguntar sobre o tipo de referências que ela terá em um ambiente tão violento e hostil quanto o das unidades socioeducativas. Isso é inaceitável do ponto de vista jurídico, mas principalmente humano.
O que o ECA diz sobre isso?
No mês em que o Estatuto da Criança e do Adolescente cumpre 25 anos, vemos um ataque deliberado contra suas disposições. Ele é claro ao estabelecer o princípio da brevidade nos casos de internação. A restrição de liberdade deve ser pelo menor período possível e respeitar as especificidades da adolescência. Querem modificar o ECA antes mesmo de implementá-lo. Estão desistindo da juventude. É uma afronta, um ataque a uma das mais importantes e avançadas legislações brasileiras.