Até hoje, grandes empresas multinacionais só eram julgadas nos países periféricos onde cometiam crimes ambientais, envolviam-se em corrupção ou violavam direitos humanos dos trabalhadores ou populações locais. Mas isso pode começar a mudar. Cresce a possibilidade de que esses gigantes corporativos também sejam levados aos tribunais em seus países de origem, onde a atenção da Justiça, da mídia e da opinião pública pode virar a balança em favor das vítimas.
Essa é a opinião de um dos principais especialistas do mundo no estudo da complexa relação entre empresas e direitos humanos: Sheldon Leader, professor da Universidade de Essex e diretor do Essex Business and Human Rights Project (EBHR), concedeu entrevista à edição 17 da Revista SUR.
O assunto também está sendo discutido nesta semana em um Fórum latino-americano, promovido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Medellín, na Colômbia, com participação de Juana Kweitel, diretora de programas da Conectas.
Empresários, representantes de governos, sindicatos e organismos multilaterais, além de ativistas de direitos humanos e outros membros da sociedade civil vão debater as possibilidades de implementação dos chamados Princípios Orientadores, aprovados em 2011. Esses princípios são também conhecidos como Princípios Ruggie – em referência a John Ruggie, professor da Universidade de Harvard que coordenou a elaboração do documento.
Os resultados da discussão serão levados ao Segundo Fórum Anual, marcado para o início de dezembro em Genebra, na Suíça.
Caso Kiobel: nigerianos contra a Shell
Na entrevista à SUR, Leader cita o caso Kiobel, um processo movido em 2010 na justiça dos Estados Unidos por nigerianos que acusavam a Shell de ter participado de violações no país africano, incluindo tortura, assassinato, crimes contra a humanidade e prisões arbitrárias e prolongadas. O processo chegou à Suprema Corte com base no Alien Tort Statute, uma lei que concede aos tribunais norte-americanos a jurisdição para julgar ações movidas por estrangeiros contra abusos dos direitos humanos cometidos fora dos EUA.
Em abril deste ano, a Suprema Corte afirmou que o ATS não se aplica ao caso Kiobel, mantendo a decisão das instâncias inferiores. “Nem sei ao certo o quanto foi realista a perspectiva de dar início a esse processo”, diz Leader, na entrevista concedida antes do pronunciamento da Suprema Corte. “Mas isso não é o fim do mundo, pois outros desenvolvimentos do direito podem perfeitamente preencher essa lacuna.”
Com a experiência de quem estudou de perto a atuação da indústria extrativa na África, Leader ressalva que ainda há muito por fazer para que as empresas transnacionais sejam levadas à justiça de seus países de origem por violações dos direitos humanos em território estrangeiro.
Mas ele aponta alguns progressos nessa direção, como a decisão da justiça britânica segundo a qual as empresas são responsáveis pelo comportamento de suas subsidiárias. Na entrevista, Leader também defende um tratado internacional a respeito do tema, fala do papel da ONU e comenta as possibilidades de implementação dos Princípios Orientadores.
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ONU – Quando os governos locais estão envolvidos em conflitos que os tornam incapazes de agir contra violações de direitos humanos, os países de origem das empresas devem supervisionar sua atuação. É o que diz John Ruggie, neste vídeo de apresentação dos Princípios Orientadores.
+ Leitura:
Dossier: Empresas & Direitos Humanos
Os Estados já não são os únicos violadores de direitos humanos no mundo, nem os únicos responsáveis por seu respeito e proteção. Nos últimos anos, a enorme expensão das relações econômicas, com empresas multinacionais bucando mais oportunidades de negócios ao redor do Globo, trouxe consigo novas ameaças a trabalhadores, meio ambiente e comunidades locais, impondo desafios inéditos no campo dos direitos humanos.