A capital do Chile, Santiago, recebeu, no início do mês, o VIII Fórum Regional de Empresas e Direitos Humanos na América Latina e Caribe, evento organizado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Um dos objetivos foi impulsionar o desenvolvimento de marcos normativos que exijam responsabilidade das empresas em relação aos direitos humanos e o direito a um ambiente saudável. Esse tema é crucial diante do acirramento da crise climática e é especialmente relevante na América Latina, onde é latente a perda da sociobiodiversidade e a escalada de ataques a povos indígenas e comunidades tradicionais.
No encontro, foram abordados o papel do Estado na elaboração de políticas públicas e na proteção de defensores de direitos humanos, as diferentes perspectivas sobre o acesso à reparação, além da urgência da implementação da devida diligência em direitos humanos em setores estratégicos (agronegócio, indústrias extrativistas e finanças). Os temas estão intimamente ligados à discussão atual sobre justiça climática. Outra questão em discussão foram os direitos das pessoas trabalhadoras e mecanismos para reduzir a exploração laboral, uma realidade no Brasil e em outros países da região.
“A sociedade civil participou do evento mostrando que não é possível dissociar a sustentabilidade empresarial do respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Temos grande necessidade de construir uma plataforma de empresas e direitos humanos na região para dar conta das nossas complexidades e para, principalmente, responsabilizar as empresas, instituições financeiras e governos violadores de direitos”, afirma Fernanda Drumond, assessora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas. Para ela, a garantia da dignidade dos trabalhadores e a exploração responsável dos recursos naturais devem ser ações prioritárias dentro das corporações.
Faz pouco mais de uma década que a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou o que hoje é a principal referência sobre o potencial de impacto nos direitos humanos causado por empresas. Não foi a primeira vez que a ONU tratou do tema, mas ali, depois de uma construção de vários anos que envolveu consultas públicas a diversos atores, incluindo o setor privado, foi proposto um documento robusto e completo.
Os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos defendem um conjunto detalhado de responsabilidades aplicáveis a todas as empresas, além de lembrar os Estados de seu dever de proteger as pessoas. Sua publicação fez essa agenda ganhar concretude, contribuindo para enterrar de vez a ideia de que a filantropia pode se passar por responsabilidade social e convocando as empresas a olharem para os impactos negativos de suas operações e atividades em toda sua cadeia de valor.
Entretanto, sua implementação voluntária ainda é limitada, principalmente no Sul Global, onde a exploração de recursos naturais é intensa, há mão de obra de baixo custo amplamente disponível e os países são mais dependentes da produção de commodities – que integram cadeias de fornecimento globais complexas e frágeis.
O contexto regional é marcado por grande impunidade para as empresas que violam direitos humanos, assim como pela violência contra ativistas que denunciam os casos.
Setores como agronegócio e construção civil são os mais sensíveis aos princípios da ONU, e são, frequentemente, protagonistas de abusos, evidenciando ainda o grave incumprimento por parte dos Estados da região quanto ao seu dever de proteger os direitos humanos. Também fica mais evidente aqui a resistência de outros países a cumprir suas obrigações extraterritoriais, quando suas empresas cometem abusos no exterior. Na América Latina, muitas empresas multinacionais não adotam os mesmos padrões de ação e monitoramento que praticam em seus países de origem (em geral, na América do Norte e na Europa).
No Brasil, crimes socioambientais de grande proporção como o do Rio Doce e de Brumadinho, envolvendo rompimento de barragens de rejeitos das mineradoras Samarco, BHP e Vale, além dos casos de trabalho análogo à escravidão em diferentes setores empresariais e em várias partes do país, ilustram a gravidade da situação.
No momento, tramita na Câmara o Projeto de Lei (PL) 572/22, que tem servido de referência no debate sobre a responsabilização de empresas. O projeto estende a responsabilidade por violações de direitos humanos a toda a cadeia de produção, regulando a atuação empresarial no país de modo a incluir mecanismos de vigilância, prevenção e reparação, desde a empresa controladora até as suas subcontratadas.
Levando em conta as atuais discussões sobre racismo ambiental, que olha para os recortes de gênero, raça e classe quando se mede impactos da crise climática, o Fórum Regional no Chile ainda trouxe discussões sobre as graves violações de direitos humanos contra mulheres nos países da América Latina, buscando uma promover maior atenção para essas questões nas práticas empresariais.
Por ocasião do fórum regional, também foi assinada por 30 organizações da sociedade civil da América Latina e do Caribe – incluindo a Conectas – uma declaração conjunta sobre os impactos das atividades empresariais na região. Foram abordados aspectos como as consequências negativas do agronegócio, a perseguição de pessoas defensoras dos direitos humanos e a falta de mecanismos de denúncia e reparação para entidades do setor financeiro. Para as organizações, a crise climática criou uma falsa ideia de transição enérgica corporativa, que não respeita os direitos das comunidades e o meio ambiente. As entidades também evidenciaram o problema do trabalho forçado, especialmente em atividades econômicas ilegais e apresentaram uma série de demandas e recomendações, entre elas a responsabilização de instituições financeiras que liberam recursos para empreendimentos violadores de direitos humanos, o fortalecimento do diálogo entre Nações Unidas, sociedade civil e comunidades afetadas e a implementação de meios estatais de fiscalização e controle de corporações.