No primeiro dia da Copa do Mundo da Fifa, forças de segurança suspenderam na prática uma longa lista de liberdades individuais para garantir o sucesso do evento. Embora não tenha sido decretado Estado de Exceção, as forças de segurança agiram como se vários direitos tivessem sido suspendidos entre eles a liberdade de expressão e o direito a manifestar.
Na manifestação ocorrida ontem, em São Paulo, a Polícia Militar repetiu o padrão registrado há exatamente um ano, encurralando manifestantes por ruas estreitas, em vez de facilitar a dispersão.
De acordo com o GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), 38 pessoas ficaram feridas no confronto de São Paulo, incluindo socorristas do grupo.
Em vez de individualizar condutas que infrinjam a lei, a PM atacou indiscriminadamente um grupo de pessoas que protestava próximo à Estação Carrão do Metrô, deixando vários feridos, entre eles jornalistas. Pessoas detidas e imobilizadas foram agredidas por policiais. Um dos vídeos mostra um manifestante recebendo dois jatos de spray de pimenta, um contra cada olho, a poucos centímetros de distância do rosto, numa atitude que pode caracterizar “maus tratos ou tortura”, segundo padrões internacionais.
Segundo relatos, a Polícia Militar cercou a marcha por lados opostos, deixando os manifestantes sem alternativa de dispersão, enquanto bombas de gás lacrimogêneo e granadas de luz e som eram lançadas no meio da multidão.
A PM simplesmente vetou o acesso da população a regiões inteiras da cidade, determinando por onde os cidadãos podem ou não circular. Cartazes contrários ao evento foram censurados e cidadãos foram submetidos a revistas em estações do metrô sob “suspeita de serem manifestantes”.
A tentativa de blindar o evento violou os direitos à livre circulação, manifestação e expressão; e as forças policiais foram incapazes de individualizar as condutas, diferenciando atos infracionais do simples exercício do direito ao protesto.
“O Brasil precisa encontrar o equilíbrio entre a garantia das condições de segurança para que a Copa ocorra e a garantia dos direitos de seus cidadãos. A população não deixa de ter direitos só porque o país está sediando um evento, seja ele qual for. A vida continua e os protestos fazem parte da vida”, disse Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas. “Ao blindar o evento, a polícia está atropelando a Constituição e atacando sua própria razão de ser: que é justamente a de proteger o cidadão e garantir o livre exercício de seus direitos”, completou.
Cidadãos que possuam registros em vídeo e foto sobre abusos cometidos na operação podem usar uma plataforma criada pela Witness para que estes materiais possam vir a ser usados como evidência jurídica em futuros processo.
Se você foi vitima de violência policial e quer denunciar às autoridades, entre em contato conosco encaminhando um email ao denuncias@conectas.org ou com à comissão especial criada pela Defensoria Pública do estado de São Paulo para atuar nos eventos relacionados à Copa do Mundo. Mais informações aqui.
Um ano depois
Os excessos registrados ao longo do dia de ontem acontecem exatamente um ano depois de uma das mais brutais repressões da polícia contra manifestantes, no dia 13 de junho de 2013, no Centro de São Paulo. Até hoje, 12 meses depois, nenhum policial foi levado à Justiça.
O pedido de Lei de Acesso à Informação feito pela Conectas para identificar os responsáveis pelas ordens que violaram inúmeros direitos tampouco foi respondido.
As denúncias levadas pela Conectas e organizações parceiras para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) também recebeu respostas evasivas do governo, o que contribuiu para a continuidade do clima de impunidade e violência.
“Dar respostas vazias às graves e concretas violações que continuam acontecendo nas ruas é o reflexo preciso de uma política surda, que nega informações sobre os procedimentos da polícia, esconde o andamento de inquéritos administrativos e não reconhece as próprias deficiências”, afirmou Lucia Nader, diretora executiva da Conectas. “É impossível avançar no debate sobre direitos com um interlocutor que desconversa e mostra desdém quando confrontado com a violência da realidade.”