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Em meio a conflitos, Povo Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca mantém a resistência contra ruralistas e grileiros

Relatório "Vidas em territórios sob pressão: Povos Uru-eu-wau-wau, Paiter Suruí e Arara", recém lançado pela Conectas, apresenta dados e informações sobre as resistências indígenas pela voz dos três povos

Lançamento do relatório “Vidas em territórios sob pressão: povos Uru-Eu-Wau-Wau, Paiter Suruí e Arara”. O evento conta com a presença de indígenas e indigenistas que relatam ameaças e estratégias de resistência e proteção desenvolvidas pelas lideranças dos povos Uru-Eu-Wau-Wau, Paiter Suruí e Arara da TI Cachoeira Seca nos últimos anos, principalmente entre 2020-2022. Foto Paulo Pinto/Agência Brasil Lançamento do relatório “Vidas em territórios sob pressão: povos Uru-Eu-Wau-Wau, Paiter Suruí e Arara”. O evento conta com a presença de indígenas e indigenistas que relatam ameaças e estratégias de resistência e proteção desenvolvidas pelas lideranças dos povos Uru-Eu-Wau-Wau, Paiter Suruí e Arara da TI Cachoeira Seca nos últimos anos, principalmente entre 2020-2022. Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

Na luta desde cedo, Mobu Odo Arara conta que “é assim que a gente vive o dia a dia na nossa aldeia: ser perseguido”. Ele é cacique do povo Arara, da Terra Indígena Cachoeira Seca, localizada no estado do Pará. A situação da TI é contada em “Vidas em territórios sob pressão: Povos Uru-eu-wau-wau, Paiter Suruí e Arara”, relatório lançado na última terça-feira, 19.09, pela Conectas em parceria com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Instituto Maíra, Associação Jupaú e Associação Kowit. 

>>>Acesse o relatório “Vidas em territórios sob pressão: Povos Uru-eu-wau-wau, Paiter Suruí e Arara”

Foram reunidos dados e informações sobre saúde coletiva, educação,  atividades ilícitas de terceiros dentro do território, impactos da pandemia de COVID-19 e organização política e social de três terras indígenas (TI Cachoeira Seca, TI Sete de Setembro e TI Uru-eu-wau-wau). Além de evidenciar os contextos de ameaças, também são apresentados os mecanismos de resistência e preservação das florestas e dos saberes tradicionais impulsionados pelos povos. 

O objetivo é fortalecer as organizações participantes e visibilizar as questões enfrentadas pelos indígenas e indigenistas. “Antes não tínhamos a oportunidade de espalhar nossa imagem, mas hoje estamos encontrando parceiros”, diz Timbektodem Arara, presidente da Kowit. Ele participou do lançamento do material ao lado dos outros convidados Mborep Uru Eu Wau Wau, Neidinha Suruí e Daniel Faggiano.

Grandes empreendimentos e desmatamento 

Entre os rios Iriri e Xingu, no oeste do Pará, fica a Terra Indígena Cachoeira Seca. Na TI, que tem 734 mil ha de extensão, vive o povo Arara, que há anos lida com intensos conflitos envolvendo ruralistas, fazendeiros e grileiros. Homologada como TI em abril de 2016, o poder público ainda não realizou a realocação das mais de 1.200 famílias não-indígenas que vivem dentro do território, o que causa ameaçase embates.

A construção das obras Rodovia Transamazônica e Usina Hidrelétrica de Belo Monte, respectivamente nas décadas de 1970 e 2010, mostra como a TI sofre com violações territoriais há anos, e mesmo com as devidas condicionantes socioambientais dos empreendimentos exigirem a devida regularização do território, esse direito não têm sido respeitado. Agora, existe uma nova ameaça: o Projeto Volta Grande-Belo Sun, proposto por uma empresa canadense, que pretende ser o maior campo de mineração de ouro a céu aberto do Brasil. 

Já são mais de vinte pedidos de estudo de prospecção de ouro no entorno da TI, que somam-se à realidade do desmatamento vivida no território. A série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostra que a taxa de perda do ecossistema da TI Cachoeira Seca só cresce. Entre 2008 e 2020, foram desmatados mais de 367 km2 de floresta.

Dentre as atividades ilegais que provocam o desmatamento e outras violações, as lideranças destacam a extração de madeira e a pecuária ilegal. O cacique Mobu Odo Arara conta que a falta de ferramentas adequadas é uma das dificuldades para lidar com os atritos. “Nós não temos os recursos para confrontar os ruralistas, porque eles têm poder e dinheiro”, comenta, se referindo ao intenso lobby promovido por setores e representantes do agronegócio.  

“Nosso território se transformou no balcão de negócios do mundo. Nossa floresta está sofrendo muito. Cada dia que passa escutamos mais barulho das motosserras comendo o nosso território. Nosso rio está cada dia mais triste e fraco. Isso não é normal. […] O povo Arara nunca vai abandonar seu território. Nossos guerreiros não vão permitir que a nossa floresta seja destruída. Juntos vamos proteger nosso Rio Iriri”, escrevem os indígenas Mobu Odo Arara e Timbektodem Arara em um trecho do relatório. 

Organização em busca de direitos 

A Associação Kowit é uma das entidades do povo Arara, criada em 2017, que representa as aldeias Iriri e Awey. O foco da organização é a garantia dos direitos territoriais, pois “nosso território é nosso futuro”, defende o cacique Mobu Odo Arara. “Estamos aqui pra representar nosso povo, pra gritar pro mundo que existe esse povo que está lutando pelo direito e pelo respeito. Estamos aqui pra dar nosso recado”.

Recentemente, em 2022, o povo Arara publicou seu Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada. Trata-se de um compilado de informações, escritas e organizadas pelos indígenas, para orientar como querem ser consultados em casos de projetos e/ou iniciativas que afetem seus territórios. “É a nossa voz, fala e construção que está ali. Hoje esse documento diz tudo, mas o homem branco não respeita esse protocolo”, lamenta Timbektodem Arara. 

Assista a live de lançamento do relatório: 

Leia também: Povos Uru-eu-wau-wau e Paiter Suruí lutam para manter a floresta em pé e adiar o fim do mundo


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