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Notícia
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25/09/2025

Em discurso na ONU, Lula defende democracia para combater desigualdades e multilateralismo

Presidente brasileiro falha ao não mencionar os povos indígenas e ao descrever América Latina como uma região sem conflitos

The Brazilian President ,Luiz Inacio Lula da Silva, 
United Nations General Assembly at UN Headquarters in New York City, United States, Tuesday, September 23, 2025. (Photo by VANESSA CARVALHO / Brazil Photo Press via AFP) The Brazilian President ,Luiz Inacio Lula da Silva, United Nations General Assembly at UN Headquarters in New York City, United States, Tuesday, September 23, 2025. (Photo by VANESSA CARVALHO / Brazil Photo Press via AFP)


Na manhã desta terça-feira (23) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na abertura  da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Em sua décima participação neste espaço, o líder brasileiro enfatizou a importância da democracia enquanto um modelo político garantidor de direitos para todas as pessoas e não só um regime de governo, apontando uma relação direta entre a crise do multilateralismo  e o surgimento de regimes autoritários ao redor do mundo.

O presidente também abordou a resiliência das instituições brasileiras frente às tentativas de interferência dos Estados Unidos no judiciário e economia no país, o genocídio do povo palestino na Faixa de Gaza e a necessidade de um combate eficaz e efetivo às mudanças climáticas. 

Entretanto, ao tratar deste último assunto, Lula não menciona as populações indígenas e os povos da floresta, comunidades muito afetadas pelo colapso climático e pela degradação ambiental, e que, por outro lado, têm sido historicamente responsáveis também pela proteção socioambiental. 

Lula ainda descreveu a América Latina como uma “zona de paz”, por não ter guerras étnicas e religiosas, esquecendo-se dos graves conflitos que assolam diversos países da região e expõem suas populações, principalmente negras e indígenas, à intensa vulnerabilidade social, econômica e psicológica.

Democracia e multilateralismo

Lula inicia o seu discurso afirmando a importância de a sociedade internacional se unir para combater os regimes autoritários e arbitrários e diz que existe um paralelo entre a crise do multilateralismo e o crescimento de forças antidemocráticas ao redor do mundo. Todo o discurso do presidente foi permeado por uma forte defesa da democracia, termo que foi utilizado em uma perspectiva ampla que o relaciona diretamente com os direitos humanos. “Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral. Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades e a garantia dos direitos mais elementares: a alimentação, a segurança, o trabalho, a moradia, a educação e a saúde”. 

O fortalecimento de nossa democracia, como assinala o presidente, não se pauta tão somente em eleições livres e íntegras e na proteção de suas instituições. A democracia só existe plenamente se estiver ancorada na proteção de direitos humanos e socioambientais, no enfrentamento ao racismo e outras desigualdades, no enfrentamento à violência institucional, e na promoção da dignidade”, diz a diretora do movimento de fortalecimento do movimento de direitos humanos da Conectas, Júlia Neiva.

Interferência dos Estado Unidos

Em um dos momentos mais contundentes da sua fala, o presidente abordou as tentativas de interferência dos Estados Unidos em decisões do Judiciário brasileiro. “Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais”, afirmou. “A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável”, continuou.

Genocídio em Gaza

Lula criticou duramente o “genocídio em curso” na Faixa de Gaza e afirmou que nada justifica a morte dos palestinos. “Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente”, discursou. “Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente. Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo”, concluiu o mandatário.

Mudanças climáticas e COP 30

Segundo o presidente Lula, a COP 30, que acontece em Belém no próximo mês de novembro, será a “COP da verdade” e a oportunidade de os líderes dos países realmente colocarem em prática os compromissos assumidos em relação ao tema. O líder ainda fez questão de destacar a maior parcela de responsabilidade dos países ricos no colapso climático. “Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios. Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões”, advertiu.

“Esperamos que a COP30, em Belém, seja um marco de implementação do Acordo de Paris, com maior ambição climática, financiamento justo e a inclusão efetiva de povos indígenas e comunidades vulneráveis. Para a Conectas, é fundamental que o processo seja transparente e assegure ampla participação social. A fala do presidente gera expectativa positiva, esperamos que essas promessas se traduzam em medidas concretas, acompanhadas de mecanismos de monitoramento e salvaguardas de direitos, para garantir uma transição justa e efetiva nas perspectiva do Sul Global”, afirma o coordenador do programa de defesa dos direitos socioambientais da Conectas, João Godoy.

Menção aos povos indígenas

Apesar de a questão climática ter ocupado um bom espaço no discurso do presidente, inclusive com a menção da redução do desmatamento no Brasil, Lula não mencionou em nenhum momento a situação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, que, apesar de algumas medidas já tomadas pela sua gestão, inclusive na Amazônia, seguem sofrendo com o desmatamento, violência, o garimpo ilegal, a invasão das suas terras, a lentidão das demarcações e a profunda deterioração das condições de vida trazida por esses problemas. 

“Nos últimos anos, temos observado iniciativas do Poder Público que fragilizam ainda mais os direitos dos povos indígenas, como a edição da Lei 14.701 e os debates que dela se desdobraram. Embora se trate de um tema que não depende exclusivamente do Poder Executivo, um posicionamento firme e assertivo do governo é essencial para enfrentar as violações em curso e reafirmar a centralidade dos povos indígenas na agenda climática e de direitos humanos”, reflete Godoy.

América Latina sem conflitos

O presidente brasileiro afirmou que é uma prioridade para o seu governo manter a região como uma “zona de paz”. Apesar de Lula se referir a conflitos étnicos e religiosos que emergem como guerras no sentido mais tradicional do termo, o discurso, da forma como foi elaborado, acaba minimizando os graves conflitos de diversas ordens que trazem instabilidade, insegurança e tiram a vida de milhares de latino-americanos. Temos como importantes exemplos a crise de segurança pública que assola países como o Brasil, o México e El Salvador. Além do racismo contra pessoas negras e indígenas de toda a região e episódios cada vez mais violentos de intolerância religiosa no Brasil.

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