O Brasil se absteve mais uma vez em votação sobre a situação dos direitos humanos no Irã, desta vez em resolução analisada pelo plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. O texto foi aprovado hoje, 19/12, com 85 votos a favor, 35 votos contra e 63 abstenções.
O país repetiu a posição proferida em novembro, quando o mesmo documento foi votado na Terceira Comissão da Assembleia Geral – um órgão que cuida, especificamente, de violações de direitos humanos, questões sociais e humanitárias. Naquela ocasião, a resolução também foi aprovada com o mesmo placar.
O Brasil se abstém nessa votação desde 2001 (com exceção de 2003), apesar dos reiterados pedidos por parte de organizações brasileiras e iranianas para que a posição fosse alterada.
O papel do país nesse debate contraria declarações anteriores do chanceler José Serra. Em 2010, quando era candidato à Presidência, o atual ministro Serra qualificou o Irã como uma “ditadura fascista e feroz” e instou a então adversária Dilma Rousseff a se pronunciar sobre as relações bilaterais do governo de Luís Inácio Lula da Silva com o país persa.
As contradições da chancelaria levaram a Conectas a demandar a convocação de Serra pelas comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado (CREDN) e da Câmara (CRE) logo após a votação na ONU. A organização pede que o ministro participe de audiência pública para explicar a nova abstenção.
No ofício encaminhado às presidências das comissões, a Conectas recorda que, ao assumir a pasta, o chanceler declarou que o respeito aos direitos humanos seria uma das diretrizes de sua política externa – tal como determina o artigo 4o da Constituição Federal.
Veja os ofícios encaminhados às presidências da CREDN da Câmara dos Deputados (aqui) e CRE do Senado Federal (aqui).
A entidade também frisa que, em maio de 2015, a comissão do Senado convocou o então chanceler Mauro Vieira para explicar a abstenção do Brasil em outra resolução sobre o Irã, proposta no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em julho de 2015 foi a vez da comissão da Câmara realizar audiência sobre a posição do Brasil em sessão do Conselho de Direitos Humanos, incluindo a abstenção do país em votação sobre o Irã.
Nas duas ocasiões, como agora, o governo federal justificou o voto afirmando dispor de informações que apontam para avanços na situação de direitos humanos no país.
De acordo com organizações de direitos humanos iranianas, no entanto, as promessas ainda precisam ser concretizadas e a situação segue preocupante, sem melhorias substantivas.
Segundo o mais recente informe do relator especial da ONU sobre os direitos humanos no Irã, Ahmed Shaheed, publicado em setembro, entre 966 e 1054 pessoas foram executadas no país em 2015 – o maior número nos últimos 20 anos. A ausência de números precisos acontece porque o Irã não recebe relatores especiais das Nações Unidas desde 2005, desrespeitando na prática o convite aberto a especialistas da ONU que mantém desde 2002.
Para Jefferson Nascimento, assessor de Política Externa da Conectas, “a posição do Brasil não se sustenta e o país deve dar explicações públicas sobre sua insistência em não se posicionar sobre o grave quadro de violações no Irã”. Para ele, ainda, “o país não pode priorizar as relações comerciais em detrimento da obrigação constitucional de pautar as relações exteriores pelos direitos humanos”.
Em outubro, a mais alta autoridade iraniana em direitos humanos, Mohammad Larijani, foi recebido a portas fechadas pelo Ministro da Justiça. À época a organização afirmou que a falta de transparência sobre a reunião levantava dúvidas sobre a posição do Brasil na ONU.
Conectas e outras 27 organizações da sociedade civil de todo o mundo cobraram apoio ao texto da resolução, em carta conjunta direcionada aos Estados membros da das Nações Unidas. O documento menciona notórias violações de normas internacionais de proteção de direitos humanos, inclusive o fato de o Irã ser, hoje, detentor da maior taxa de execuções per capita do mundo.
“A aprovação da resolução transmitirá a todos os governos, bem como ao povo do Irã, que a comunidade internacional está genuinamente investida no avanço dos direitos humanos no Irã”, afirmaram as entidades.