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28/08/2024

Eleições 2024: desinformação causa danos concretos na democracia e na vida das pessoas

Para especialista, o fenômeno da desinformação, amplificado plataformas digitais, distorce a verdade e mina a confiança nas instituições

A pesquisadora Nina Santos. Foto: Arquivo pessoal A pesquisadora Nina Santos. Foto: Arquivo pessoal

Em um momento em que o Brasil se prepara para as eleições municipais de 2024, mais uma vez, a desinformação e as fake news surgem como grandes ameaças à integridade do processo eleitoral e à segurança da população. Esses fenômenos, amplificados pelas plataformas de mídias sociais, não apenas distorcem a verdade, mas também minam a confiança nas instituições, criam divisões sociais e colocam em risco os direitos constitucionais.

As consequências da desinformação são especialmente graves para grupos historicamente marginalizados, como mulheres, pessoas negras e LGBTI+, que frequentemente se tornam alvos de campanhas coordenadas de desinformação, violência política e discurso de ódio digital. 

Em entrevista à Conectas, Nina Santos, diretora do Aláfia Lab, apresenta uma análise dos principais desafios que serão enfrentados pelo Brasil nas próximas eleições, principalmente no que tange à desinformação, ao mesmo tempo em que  explora os possíveis caminhos para a garantia da democracia em meio às adversidades digitais. Santos é doutora em Comunicação e pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e na Université Panthéon-Assas.

Para ela, a “desinformação afeta a própria possibilidade ou habilidade das pessoas, especialmente mulheres e pessoas negras, de estarem em espaços sociais, sejam espaços de poder, espaços políticos, disputar eleições”. 

Confira a entrevista com Nina Santos: 

Conectas: Qual o impacto da desinformação na democracia e na ampliação dos direitos constitucionais no Brasil? É possível afirmar que grupos historicamente vulnerabilizados por conta de raça, gênero, por exemplo, são mais afetados? 

Nina: A desinformação e os discursos de ódio – fenômenos que ganham força com a emergência do espaço de comunicação digital –  têm uma interação muito forte com a nossa realidade social. Eles não criam por si só fenômenos sociais, mas interagem com problemas da sociedade que já existiam, dando nova forma e nova amplitude. É o caso da misoginia, do racismo, entre outros. 

Quando falamos da desinformação e discurso de ódio em ambientes digitais, certamente precisamos considerar que esses fenômenos afetam de maneira desproporcional grupos mais vulnerabilizados. Portanto, precisa haver políticas específicas para que essas populações ou esses segmentos sociais estejam protegidos. 

Conectas: Ainda no mesmo tema da pergunta anterior, de que forma a desinformação pode ser usada como uma ferramenta de violência política de gênero e raça?

Nina: A desinformação afeta a própria possibilidade ou habilidade das pessoas, especialmente mulheres e pessoas negras, de estarem em espaços sociais, sejam espaços de poder, espaços políticos, disputar eleições, exercer atividades como jornalismo ou defesa de direitos humanos. 

A desinformação, tem efeitos muito concretos na vida das pessoas. Em uma pesquisa realizada em 2021, especialmente sobre o efeito de ataques online a mulheres jornalistas, vimos, por exemplo, que um dos comportamentos mais frequentes relatados por essas mulheres era o da autocensura, aquele momento em que você próprio passa a se limitar no exercício do seu trabalho para não se expor a determinados riscos.  Então, os efeitos desses processos são muito concretos.

Conectas: Comparando-se com às eleições anteriores, como você avalia o cenário de desinformação nas próximas eleições municipais? Acredita que os esforços empenhados por órgãos públicos devem gerar efeitos positivos?

Nina: Sobre o contexto eleitoral, sim, por um lado há esforços institucionais em várias frentes, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é o órgão dedicado à questão eleitoral para enfrentar a questão da desinformação. Mas, por outro lado, em termos legislativos, não avançamos no sentido de  ter uma regulação para essas plataformas digitais e retrocedemos em alguns aspectos, como, por exemplo, o acesso a dados às plataformas digitais. Me parece que o cenário em que chegamos em 2024 é muito desafiador. Isso sem mencionar a emergência da inteligência artificial enquanto uma ferramenta mais popular e acessível, o que também traz novos desafios, novos formatos e novas possibilidades criativas, exigindo um outro tipo de abordagem para esse problema. 

Conectas: Como as plataformas digitais têm atuado nesse cenário? Houve avanços ou retrocessos?

Nina: As plataformas digitais, por um lado, têm se empenhado em desenvolver algumas estratégias de combate à desinformação e ao discurso de ódio. Inclusive, depois de 2022, houve uma certa preocupação das plataformas com o tema, mas há dois movimentos que são muito preocupantes: liderado por Elon Musk, o primeiro movimento é de diminuir as preocupações, a energia e os investimentos dedicados ao trust and safety (confiança e segurança), que são equipes dedicadas a, entre outras coisas, diminuir a quantidade de conteúdos nocivos nessas plataformas. Esse movimento de Musk é bastante negativo e puxar o Twitter, agora X,  para esse lado, acaba fazendo com que outras plataformas possam ir também na mesma direção. 

O segundo é um movimento muito reativo às propostas de regulação. Vimos no Brasil, sobretudo em relação ao PL 2630, chamado de PL das Fake News, uma relação muito agressiva das plataformas digitais. Algumas mais do que outras, mas estou falando de maneira ampla aqui. 

Em relação à regulação de inteligência artificial, um pouco menos, porque parece haver um consenso também entre as próprias plataformas que trabalham com criação e desenvolvimento de modelos de IA que a regulação, em algum nível, é necessária. Apesar dessa percepção ou discurso geral de que há um apoio à regulação ou de que a regulação é importante, poucos consensos têm, de fato, sido criados e, portanto, as legislações não têm avançado. 

Conectas: Quais são os principais desafios para as eleições de 2024, e quais temas podem ser mais suscetíveis à desinformação? O que você considera essencial para as eleições de 2024 e, em especial, para nos prepararmos para 2026? O que ainda precisa ser aprimorado?

Nina: Sobre as eleições de 2024, considero que um desafio colocado é a emergência da inteligência artificial, já que não sabemos exatamente o que vai acontecer. Mas já temos a resolução do TSE casos [com a temática de IA] sendo julgados. 

Um grande desafio das eleições municipais é o fato de que são mais de cinco mil eleições ao mesmo tempo. Cada uma em contextos locais bastante peculiares. É muito difícil acompanhar esses processos. A atenção fica muito concentrada nas grandes cidades, sobretudo no Sudeste. Portanto, tem muitos casos de desinformação que simplesmente não são amplamente conhecidos.

E nos avanços para 2026, certamente ter uma legislação. Minha percepção é de que, enquanto não tiver uma regulação geral mais ampla e democraticamente construída para essas plataformas, é muito difícil ter uma estrutura que vá além das excepcionalidades, daqueles momentos que são muito graves, e aí se toma alguma medida, mas são sempre medidas feitas para momentos excepcionais, e não para ordinários.

Mas o uso da internet e das redes sociais é um uso ordinário,  todos os dias temos vários usos. A desinformação faz parte desse cenário, mas a gente usa para várias outras coisas. A maior parte dos usos que se faz de redes sociais não é para disseminar desinformação – talvez, seja para compartilhar fotos de gatinhos ou outras coisas. Então, eu considero que a gente precisa avançar nesse sentido.

Conectas: A Coalizão Global para Justiça Tecnológica convocou anunciantes a se unirem na luta pela proteção das eleições e dos direitos humanos, frente à negligência das grandes empresas de tecnologia, especialmente após as inúmeras falhas na proteção do processo eleitoral de 2024. Qual a importância dessas articulações no Sul Global, e como a desinformação impacta de forma diferente os processos eleitorais nesses países? E quais as diferenças nas ações das empresas para as eleições na Europa e Estados Unidos em comparação com outras partes do mundo? Como as plataformas têm tratado as eleições no Sul Global que já ocorreram?

Nina: Existe uma desigualdade muito grande no tratamento que as empresas dão aos países do Sul Global e do Norte Global. O acesso a dados é um exemplo claro disso: hoje, para acessar dados de algumas plataformas, é necessário passar por universidades do Norte Global, pedir autorização, uma aprovação para essas universidades para que se possa ter acesso a dados. Isso me parece absurdo.

É preciso entender que as plataformas digitais são instrumentos de geopolítica também. Portanto, existem desigualdades globais e as plataformas digitais são desenvolvidas, sobretudo, nos Estados Unidos. Não é nem no Norte Global, de maneira ampla, é nos Estados Unidos especificamente.  

Elas são também usadas explicitamente para defender determinados interesses, como é o exemplo do que Elon Musk fez e faz com o X. Mas, para além disso, a própria estrutura dessas plataformas embute uma determinada visão de mundo. Então, considero que tem uma questão de soberania, discutir a questão das redes sociais, a questão do ambiente digital junto. E, pensando na questão da soberania, me parece que é uma vertente importante de ser explorar. 

Mais concretamente, tem diferenças muito gritantes nas posições das plataformas, por exemplo, em 2022, nos Estados Unidos, que naquela época estavam tendo eleições regionais, a Meta, proibiu proibiu anúncios online no período anterior ao dia do pleito, enquanto no Brasil isso foi proibido pela Justiça Eleitoral, mas não estava sendo cumprido pelas plataformas. Acesso a dados é outro exemplo e mesmo ferramentas de checagem de informação, no que diz respeito à quantidade de pessoas trabalhando com moderação de conteúdo nas línguas nativas. 

Então, tem uma série de diferenças de tratamento, e não só do back-end, da parte de estrutura que fica por trás das plataformas, mas mesmo da maneira como essas plataformas tratam as decisões e as relações com as instituições desses outros países. Considero esse um tema central mesmo.

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