Em 2024, a Conectas manteve seu compromisso com a defesa dos direitos humanos, enfrentando retrocessos e propondo soluções em áreas como violência institucional, defesa da democracia e direitos socioambientais.
“Sustentamos a defesa dos direitos fundamentais, mesmo diante de um cenário nacional e global complexo”, afirma Camila Asano, diretora executiva da Conectas. Para ela, um dos principais desafios foi a crise de segurança em São Paulo. “As forças de segurança sempre tiveram problemas estruturais, mas em 2024 vimos um grande incentivo de autoridades do governo estadual à violência praticada por agentes públicos. Essa investida institucional contra os direitos fundamentais exigiu uma atuação forte da Conectas e de outras organizações no sistema de justiça, no Congresso e em fóruns globais, como a ONU.”
Diante do papel central dos povos originários e tradicionais no enfrentamento à emergência, a Conectas apoiou os povos indígenas na luta pelos seus direitos territoriais, especialmente contra a tese do marco temporal, tema de discussão no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Asano também destaca que 2024 foi um ano eleitoral em que a violência política, tanto física quanto digital, foi uma preocupação. “A necessidade de garantir plataformas digitais que respeitem os direitos humanos e combatam a disseminação de desinformação foi tema de reflexão em diferentes momentos do ano. A ausência de regulação também permitiu que algumas candidaturas fizessem uso abusivo de poder econômico, trazendo novos desafios para a defesa da integridade eleitoral considerando que redes sociais já são espaços em que a campanha eleitoral acontece”, diz.
Em novembro, aconteceu a 17ª edição do Colóquio Internacional de Direitos Humanos, um evento marcante na trajetória da organização e uma referência no calendário do movimento internacional de direitos humanos. “Receber mais de 40 ativistas de 18 países foi uma oportunidade para aprofundar análises coletivas sobre os desafios impostos pelo avanço do ultraconservadorismo e do autoritarismo ao redor do mundo. Esse encontro também serviu para reenergizar parcerias e estabelecer novas conexões entre lutas fundamentais para a agenda global de direitos humanos”, destacou Asano.
A escalada da violência policial na Baixada Santista, intensificada pelas Operações Escudo e Verão entre 2023 e 2024, resultou em um número alarmante de mortes e outras violações de direitos humanos. Movimentos de familiares de vítimas da violência do Estado e entidades da sociedade civil atuaram intensamente com o intuito de reduzir o número de mortes durante as incursões policiais, estabelecer parâmetros para a realização das operações policiais, como o uso de câmeras corporais, além de buscar a responsabilização dos culpados pelos crimes cometidos.
Conectas e a Comissão Arns denunciaram essas práticas à ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em março, responsabilizando o governo estadual pelas dezenas de mortes registradas. Apesar das críticas internacionais, o governador Tarcísio de Freitas desconsiderou as denúncias. A Operação Verão terminou em abril de 2024, registrando 56 pessoas mortas.
Ainda em março, o II Relatório de Monitoramento de Violação de Direitos Humanos na Baixada Santista Durante a Segunda Fase da Operação Escudo expôs casos de execuções sumárias, tortura e obstrução da justiça, evidenciando o impacto desproporcional sobre comunidades negras e marginalizadas. Em novembro e dezembro, a violência policial culminou em novas mortes, dentre elas a de uma criança de 4 anos de idade e de um adolescente de 17 anos, durante uma ação da Polícia Militar, além de outros casos, na capital paulista, como a de um homem que foi arremessado de uma ponte por um policial militar.
Após esses episódios, Conectas enviou apelos urgentes à ONU, solicitando investigação internacional sobre a crescente letalidade policial na região. Submissões foram enviadas aos Relatores Especiais da ONU, destacando o viés racial das operações e a necessidade de respostas concretas. A mobilização reforçou a importância de uma atuação conjunta da sociedade civil para combater abusos e pressionar por mudanças estruturais nas forças de segurança.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o PSOL e a Rede Sustentabilidade pediram ao STF a inconstitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, que restringe a demarcação de terras indígenas às ocupadas em 1988. A tese do marco temporal, já rejeitada pelo STF em 2023, é considerada um grave retrocesso nos direitos indígenas e na preservação ambiental.
Durante a 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Apib e Conectas pediram a rejeição definitiva do marco temporal, destacando a exclusão dos povos indígenas das negociações. A relatora da ONU Mary Lawlor alertou que a tese intensifica ataques contra defensores de direitos humanos e viola convenções internacionais.
Em seu relatório de visita ao Brasil, Ashwini K.P., Relatora Especial da Organização das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo expressou séria preocupação com a aplicação da tese e que apesar de alguns avanços recentes na demarcação de terras, o ritmo atual é insuficiente, levando a um cenário de violência contínua contra comunidades indígenas.
Propostas como a PEC 48, que tenta inserir o marco na Constituição, representam riscos à biodiversidade e ao combate às mudanças climáticas, reforçando os impactos do chamado “Pacote da Destruição Socioambiental” em tramitação no Congresso.
Ao longo do ano, a Conectas trabalhou para garantir um processo eleitoral democrático, transparente e seguro. Em fevereiro, a organização enviou sugestões ao Tribunal Superior Eleitoral para o aperfeiçoamento das regras eleitorais, com foco no combate à disseminação de notícias falsas e regulação do uso de inteligência artificial no pleito.
Em junho, a Coalizão Global para Justiça Tecnológica da qual Conectas é parte, criada no âmbito do mega ciclo eleitoral de 2024, publicou uma declaração convocando anunciantes a pressionarem grandes empresas de tecnologia para combater a desinformação e o discurso de ódio. A iniciativa buscou criar um ambiente digital mais seguro e confiável para o debate democrático.
A poucas semanas das eleições, a Conectas lançou uma campanha de comunicação contra a desinformação, fornecendo ferramentas e informações para que eleitores e eleitoras identificassem conteúdos falsos e compreendessem o papel das prefeituras e câmaras municipais na promoção dos direitos humanos. A entidade também participou de uma iniciativa que pediu às candidaturas de São Paulo à prefeitura, no segundo turno, que priorizassem os direitos humanos e a democracia em suas futuras gestões.
Um ano após os atos contra as sedes dos Três Poderes em Brasília (DF), no dia 8 de janeiro de 2023, o Pacto pela Democracia — coalizão que reúne a Conectas e outras 200 organizações da sociedade civil — lançou relatório com 12 sugestões para o texto final da CPMI dos Atos Golpistas. As recomendações sobre educação midiática e promoção da cultura democrática foram acatadas, e o Pacto pela Democracia foi mencionado no relatório final da CPMI. Leia o relatório completo.
No início do ano, as intensas chuvas no Rio Grande do Sul colocaram em evidência a relação entre gestão de crise, adaptação aos impactos ambientais e os direitos humanos, especialmente para as populações mais vulneráveis. Em entrevista à Conectas, Patricia Grazziotin Noschang, professora da Universidade de Passo Fundo (RS) e especialista em Direito Internacional, abordou como as mudanças climáticas estão forçando deslocamentos humanos, afetando diretamente as condições de vida das comunidades mais atingidas. Ela destacou as implicações jurídicas e sociais desse fenômeno, ressaltando a necessidade urgente de políticas públicas que garantam a proteção dos direitos daqueles que se veem obrigados a migrar em busca de segurança e dignidade.
Em janeiro, vereadores da Câmara Municipal de São Paulo propuseram uma CPI para investigar supostas irregularidades em organizações da sociedade civil que atuavam com pessoas em situação de vulnerabilidade. O debate ganhou repercussão nacional quando sugeriram convocar o padre Júlio Lancellotti, referência na defesa dos direitos humanos, como investigado. A CPI também mirava entidades de redução de danos, ampliando o foco para coletivos que apoiavam a população de rua e pessoas que fazem uso de drogas, especialmente na Cracolândia. Segundo a Conectas, tratava-se de uma tentativa de criminalizar organizações e movimentos sociais. Relatório do IDDD apontou que essa criminalização incluía não apenas ameaças explícitas, mas também processos administrativos e outros meios legais.
A Conectas destacou, em 2024, a luta pela implementação e manutenção de câmeras corporais nas forças policiais. Em maio, manifestou preocupação com o edital da Polícia Militar de São Paulo, que alterava o programa e comprometia sua eficácia na redução da letalidade policial. Em junho, obteve uma importante vitória: o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou que o governo paulista seguisse diretrizes federais para o uso obrigatório das câmeras, reforçando sua relevância para a transparência e responsabilidade nas ações policiais.
Ainda em junho, em parceria com o UOL, a Conectas lançou o documentário Quem Tem Medo das Câmeras Corporais?. A produção trouxe relatos sobre operações policiais em São Paulo, como a Operação Escudo, além de casos no Ceará e a prisão de um falso suspeito, evidenciando o potencial das câmeras para reduzir a violência, proteger agentes e fortalecer o sistema de justiça.
Em dezembro, o STF reafirmou a obrigatoriedade do uso das câmeras pela Polícia Militar paulista, destacando-as como ferramenta crucial para prevenir violações de direitos humanos e fortalecer a segurança pública. A ação foi movida por Conectas, Defensoria Pública de São Paulo e Plataforma JUSTA.
A décima edição do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), coordenado pelo Idec com apoio da Conectas e outras organizações, destaca a falta de compromisso das instituições financeiras brasileiras com questões socioambientais e climáticas. O estudo aponta que nenhum banco avaliado exige de empresas financiadas o respeito ao protocolo de consulta livre, prévia e informada de comunidades tradicionais e indígenas, essencial para garantir seus direitos e autodeterminação. O guia reforça a urgência de diretrizes mais rigorosas para enfrentar a crise climática e alinhar os bancos às expectativas da sociedade civil.
Em janeiro, a Conectas enviou um documento com sugestões para a “Cúpula do Futuro”, um evento global da ONU que revisou aspectos da arquitetura internacional e monitorou compromissos como o Acordo de Paris e a Agenda 2030. As contribuições da Conectas abordaram dois tópicos centrais: paz internacional e segurança, além de ciência, tecnologia, inovação e cooperação digital. O evento, por sua vez, ocorreu em setembro, nos Estados Unidos. Além da participação na Cúpula, a Conectas esteve presente nos Action Days, que reuniu organizações da sociedade civil de diferentes regiões para debater para se debater os documentos a serem votados na Assembleia Geral da ONU
O caso Marielle Franco teve avanços em 2024. Em março, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além do delegado Rivaldo Barbosa, foram presos como mandantes do atentado, após a delação de Ronnie Lessa, acusado de executar o crime. Em outubro, após júri popular, Ronnie Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão, enquanto o ex-PM Elcio Queiroz, motorista no atentado, recebeu 59 anos e 8 meses. O caso simboliza não apenas justiça, mas também a memória de uma líder e seu legado de resistência democrática. Este caso não é apenas sobre responsabilização, mas também sobre honrar a memória de uma líder que se tornou símbolo de resistência democrática e esperança.
Em maio, Manaus (AM) sediou audiências públicas da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), debatendo democracia e emergências climáticas. O evento, parte do 167º Período Ordinário de Sessões, reuniu organizações civis globais para discutir as responsabilidades dos estados em relação às mudanças climáticas, conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Durante as discussões, foi destacada a urgência de políticas que mitiguem os impactos ambientais e protejam populações vulneráveis, com foco nos direitos de crianças e gerações futuras. No evento, a Conectas enfatizou o direito ao meio ambiente saudável como uma obrigação dos estados, ressaltando a equidade e a não-discriminação.
Em abril, o MPF e a Defensoria Pública de São Paulo acionaram judicialmente o estado de São Paulo para implementar o Sistema Estadual de Prevenção à Tortura, conforme a Lei Federal 12.847/2013. A Conectas, como amiga da Corte, contribuiu no processo. No Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura (26/6), a Conectas participou de audiência na Alesp para denunciar torturas e exigir a criação do Mecanismo Estadual de Prevenção à Tortura em São Paulo. Já em outubro, o Mecanismo Nacional revelou torturas sistemáticas em prisões e instituições de São Paulo em relatório lançado nos 32 anos do Massacre do Carandiru, com participação da Conectas.
O caso de Luiz Eduardo Merlino, jornalista torturado e morto em 1971 nas dependências do DOI-CODI, continua em busca de justiça e memória. A família de Merlino processou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável pela tortura, e outros agentes do regime, mas em 2014 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo declarou a ação prescrita. Essa decisão foi analisada e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Conectas e organizações parceiras atuaram como amici curiae, buscando garantir o direito à memória da vítima e à justiça e reparação para as famílias. Infelizmente, o Superior Tribunal não acatou a tese da imprescritibilidade, argumentando que a ação tratava da responsabilização individual de Ustra, já falecido, e que as sanções não deveriam ser aplicadas aos seus herdeiros. O tema deve ser apreciado pelo STF.
Em maio, a Conectas participou do lançamento da Cartilha Governança Energética Comunitária, desenvolvida pela UFCG e o Quilombo Serra dos Rafaeis (PI), que promove uma transição energética justa e protege direitos de comunidades afetadas por parques eólicos, como a de Simões (PI). A cartilha orienta empresas de energia renovável a respeitarem esses direitos. No mesmo mês, a comunidade do Quilombo Serra dos Rafaeis participou de um intercâmbio cultural na Paraíba, com visitas a cooperativas e rodas de conversa sobre governança energética. O evento foi uma parceria entre Conectas, Instituto Maíra e SURA/CNPq/UFCG.
Em 2024, os Crimes de Maio completaram 18 anos, marcando o maior massacre recente do Brasil, com cerca de 600 mortos em uma semana. A Conectas, junto ao Movimento Independente Mães de Maio e CAAF-Unifesp, lançou um projeto para fortalecer a luta por justiça e memória das vítimas da violência estatal. Em julho, movimentos de mães e organizações de direitos humanos denunciaram ao CIDH as violações cometidas em operações policiais nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
No primeiro trimestre de 2024, a Conectas e outras organizações da sociedade civil enviaram contribuições escritas para a Revisão Intermediária da Declaração Ministerial de 2019 sobre políticas de drogas. Durante a 67ª Sessão da Comissão de Drogas Narcóticas (CND) da ONU, a Conectas e parceiros organizaram um evento paralelo denunciando a hospitalização forçada, o encarceramento e a morte como consequência de uma política de drogas higienista. O evento ocorreu presencialmente em Viena e foi transmitido pelo canal oficial da CND.
Em junho, a Conectas levou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU críticas à “PEC das Drogas“, que buscava criminalizar a posse e o porte de drogas, independentemente da quantidade, representando um grave retrocesso para a política de drogas no Brasil. A entidade destacou que a proposta aprofunda os problemas da atual legislação, marcada pela ausência de critérios objetivos para distinguir entre uso e tráfico de drogas. Essa ambiguidade tem impactado desproporcionalmente jovens negros, pois perpetua o encarceramento em massa e é usada como justificativa para ações policiais violentas contra as populações negra e pobre do país.
A Conectas participou da campanha global “Acolha, Não Puna”, ao lado de organizações como Fiocruz e PBPD, promovendo debates sobre políticas de drogas. Em junho de 2024, o STF descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, afastando penas e registros criminais, uma vitória frente à Lei de Drogas, responsável por 30% da população carcerária e operações letais em periferias. Com a participação da Conectas como amici curiae, a decisão reforça a necessidade de políticas que priorizem direitos humanos e combatam ciclos de exclusão e violência.
No Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes da ONU, ocorrido em abril, a Conectas participou de discussões globais sobre o combate à discriminação contra pessoas negras. Entre os principais pontos do debate estavam as reparações destinadas aos povos afrodescendentes. O tema, historicamente complexo, ganhou força com propostas como a criação de um tribunal especial internacional para avaliar reparações pela escravização e seus desdobramentos, defendida por representantes da Comunidade do Caribe e da América do Sul. Um dos marcos resultantes das mobilizações no Fórum foi a aprovação, pela Assembleia Geral da ONU, da Segunda Década Internacional de Afrodescendentes, o que representa a prioridade e continuidade dos esforços internacionais na agenda de igualdade racial.
Em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU, o presidente Lula destacou a urgência de combater desigualdades globais, erradicar a fome e enfrentar a crise climática, ressaltando o impacto das mudanças climáticas nas populações vulneráveis. Ele também criticou a concentração de riqueza e poder, defendendo reformas nas instituições multilaterais para torná-las mais representativas. Na mesma ocasião, a Conectas Direitos Humanos participou de eventos paralelos, como o Global People’s Assembly e o encontro SDG Action Weekend, reforçando sua atuação internacional em defesa da justiça social e ambiental.
Durante o ano de 2024, o Brasil esteve na presidência do G20 conduzindo as negociações sobre três eixos prioritários: Combate à Fome, à Pobreza e à Desigualdade; Transição Energética e Desenvolvimento Sustentável e Reforma das Instituições de Governança Global. A Conectas atuou diretamente em eventos da Trilha Financeira e nos grupos de engajamento, como o C20 (sociedade civil) e T20 (think tanks), levando recomendações sobre defesa da democracia e combate à desinformação e justiça climática, além de ter contribuído com um documento técnico ao J20, grupo das Altas Cortes do bloco. No G20 Social, participamos de duas mesas com organizações parceiras e acompanhamos plenárias e eventos sobre governança e desinformação.
No mês de outubro, a Conectas lançou a pesquisa “Trabalho escravo no café: das fazendas às multinacionais”, fruto do projeto Mind the Gap, uma iniciativa global liderada pela organização holandesa SOMO. A primeira parte do estudo demonstrou os avanços e lacunas do marco normativo do Brasil em relação à escravidão moderna. Já a segunda, expôs as estratégias utilizadas por corporações para evitar responsabilização por violações de direitos humanos. Uma terceira parte será publicada em janeiro de 2025.
A COP29, realizada em novembro em Baku, Azerbaijão, reuniu 198 países para discutir mudanças climáticas e direitos humanos. A Conectas e outras organizações brasileiras destacaram a urgência de ações concretas e financiamento climático justo, cobrando a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos. O evento também abordou soluções baseadas na natureza e políticas para enfrentar eventos climáticos extremos. Lideranças indígenas, quilombolas e ativistas reforçaram a necessidade de compromissos mais robustos para uma resposta justa à crise climática.
O Projeto de Lei nº 2338/23, que regulamenta a inteligência artificial no Brasil, foi aprovado no Senado Federal em dezembro. Apesar de contemplar elementos mínimos importantes para a discussão, como apontado pela Coalizão Direitos na Rede, lacunas no texto ainda comprometem a proteção de direitos e a mitigação de riscos. É um retrocesso, por exemplo, a exclusão do inciso que classificava modelos algorítmicos usados por plataformas digitais como de alto risco, condição que exigiria das empresas medidas transparentes de governança, bem como a previsão do uso de Inteligência Artificial pela segurança pública.
Um relatório da OIT divulgado em março apontou um aumento de 37% nos lucros ilegais do trabalho forçado no setor privado. Esse cenário exigiu, em 2024, ações para responsabilizar violadores e reparar vítimas.
No Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Conectas denunciou o aumento alarmante de trabalho escravo no Brasil, que alcançou um recorde de mais de 3.000 casos em 2023. Em parceria com o Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos, Oxfam Brasil e ADERE/MG, destacou à comunidade internacional que mais de 80% das vítimas resgatadas são pessoas negras, refletindo os efeitos persistentes da exclusão social e da abolição incompleta da escravidão no país.
O acesso ao aborto legal no Brasil permanece distante para muitas mulheres, meninas e pessoas que gestam, mesmo com permissões legais. Em 2020, apenas 3,6% dos municípios ofereciam o serviço, deixando 37,5 milhões de mulheres sem acesso. Casos como o de uma menina de 13 anos em Goiás, que só conseguiu realizar o procedimento após autorização do STJ, expõem as barreiras estruturais e a criminalização social do aborto. Em 2023, o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, suspendeu o serviço, enquanto Goiás aprovou uma lei antiaborto, violando direitos reprodutivos.
A Conectas tem denunciado essas violações à ONU. Em maio, participou da revisão do Brasil pelo Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), apresentando relatórios sobre violações aos direitos sexuais e reprodutivos. Em março, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, destacou as barreiras enfrentadas por mulheres e pessoas que gestam para acessar o aborto, mesmo nos casos permitidos por lei. Em parceria com o CFSS, ITTC e Criola, enviou contribuições à Relatora Especial da ONU sobre racismo, Ashwini K.P., que, em visita ao Brasil, enfatizou a urgência de combater o racismo sistêmico, incluindo a garantia dos direitos reprodutivos de mulheres negras e marginalizadas.
Em junho, 22 organizações, incluindo a Conectas, enviaram um apelo à ONU e à CIDH contra ataques ao aborto legal, como o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que equipara abortos após 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo em casos de estupro.
No Judiciário, em 2024, a Conectas, junto ao CFSS, Anis e Católicas pelo Direito de Decidir, pediu para atuar como amiga da Corte na ação que busca reabrir o serviço de aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha. Também solicitou participação como amicus curiae no STF na ADI 7597, que pede a inconstitucionalidade da Lei de Goiás nº 22.537/2024, responsável por criar uma campanha antiaborto no estado.
A Conectas passou a fazer parte da campanha “Criança Não É Mãe” para combater a gravidez precoce e forçada e defender o acesso ao aborto legal. Em 2024,a campanha mobilizou mais de 340 mil e-mails contra o PL 1904/2024 e se opôs à PEC 164/2012, que busca proibir o aborto mesmo em casos permitidos por lei. A campanha também ajudou uma menina de 13 anos, vítima de estupro, a acessar o aborto legal e apoia a aprovação de uma resolução do Conanda sobre o atendimento a vítimas de violência sexual.
A Conectas e outras organizações de direitos humanos apresentaram em setembro suas recomendações para a Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas (PNDHE), buscando garantir que esta política se torne um marco regulatório efetivo para integrar princípios de direitos humanos nas práticas empresariais.
O relatório possui quatro áreas principais: acesso à justiça, reparação integral, centralidade das vítimas e não repetição das violações. A proposta inclui ampliar a proteção garantida pela Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) para todas as pessoas afetadas por atividades empresariais, capacitar instituições de justiça e garantir a participação das vítimas em acordos. Também sugere que os recursos dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) sejam reinvestidos nas comunidades e que empresas condenadas por violações de direitos humanos sejam proibidas de firmar contratos com o poder público. Além disso, propõe maior transparência e mecanismos de escuta para garantir que as vítimas não sejam revitimizadas.
Em novembro de 2024, o STF voltou a analisar a ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, um marco na luta por um modelo de segurança pública que não viole direitos humanos. A ação visa a implementação de medidas concretas para reduzir a letalidade policial nas favelas do Rio de Janeiro, pressionando por reformas estruturais nas políticas de segurança pública. A Conectas, junto a movimentos sociais e organizações da sociedade civil, tem defendido a adoção de políticas como o controle externo da atividade policial, a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais e a restrição de operações policiais em regiões com a presença de escolas e unidades de saúde, por exemplo.
Entre as decisões importantes do STF, destaca-se a determinação para que policiais no Rio de Janeiro utilizem câmeras corporais, equipamentos de geolocalização (GPS) e gravem áudio e vídeo em viaturas. Além disso, foi restringido o uso de helicópteros em operações, permitindo seu uso apenas em casos de extrema necessidade, e estabelecidas condições mais rigorosas para operações em áreas próximas a escolas, creches e postos de saúde, que devem ser justificadas ao Ministério Público. A decisão busca garantir maior transparência nas ações policiais e reduzir os danos às comunidades mais vulnerabilizadas.
Em outubro, a Conectas conquistou o Selo Doar A+, a mais alta classificação da certificação concedida pelo Instituto Doar. O reconhecimento atesta a excelência das práticas de gestão, transparência e prestação de contas da organização, consolidando sua posição como referência no setor.
Conectas promoveu o 17º Colóquio Internacional de Direitos Humanos entre os dias 4 e 8 de novembro de 2024 em São Paulo. O encontro contou com 123 participantes. Desde sua primeira edição, em 2001, o evento já reuniu mais de mil pessoas de cerca de 90 países, consolidando-se como um dos principais espaços de articulação e reflexão sobre direitos humanos em escala internacional. A primeira edição marcou também a fundação da Conectas, destacando a relevância do evento para a trajetória da organização. Os temas principais desta edição consistiram na discussão sobre formas de enfrentamento ao crescimento significativo de movimentos autoritários, populistas, ultraconservadores e anti-direitos em diferentes regiões do mundo. Também foi um espaço para pensar a resistência, solidariedade e reencantamento do mundo.
Na 17ª edição, o encontro contou com 123 pessoas participantes, incluindo, além da equipe da Conectas, 13 pessoas convidadas brasileiras e 26 internacionais, sendo 17 do Sul Global. As atividades, realizadas com tradução para três idiomas (português, inglês e espanhol) promoveram a inclusão de diferentes visões do mundo. Assista ao vídeo sobre o evento: