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25/06/2013

Dia Mundial da Luta Contra a Tortura

O fim dessa prática medieval pode ser a pauta de todos nós



A tortura é uma das formas mais covardes e cruéis de desrespeito ao ser humano. O recurso a este comportamento medieval é algo cotidiano e quase banal em muitos presídios do Brasil.

Por ser cometido em locais fechados, longe do público, com a participação ou a conivência de agentes do Estado e omissão da Justiça, a prática da tortura é quase invisível aos olhos de quem não a sofre. Por isso Conectas relembra hoje o Dia Mundial de Apoio às Vítimas da Tortura, estabelecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1997, e chama a atenção para a persistência deste crime hediondo no Brasil. Hoje, as Nações Unidas soltaram nota a respeito da data.

“Essa é uma prática subnotificada, que passa longe dos assuntos cotidianos da maioria das pessoas, quase como se não existisse. Mas, apesar desta falsa sensação de que se trata de algo estanque, própria do submundo das cadeias, é preciso que todos saibam que a tortura eclode, sim, na sociedade, das mais diversas formas. Por sua natureza especialmente sádica, a tortura irriga um subterrâneo fértil de traumas, humilhações, ódios e ressentimentos, engendrando uma cadeia de violência sem fim. A erradicação desta prática medieval é uma prioridade para nós”, disse Rafael Custodio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas.

Para marcar a data, Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas, e Flávia Piovesan, professora de Direito da PUC-SP, publicaram hoje um artigo de opinião sobre o tema no site Consultor Jurídico.

As autoras chamam a atenção para a tramitação de um Projeto de Lei que tramita no Senado, criando o Mecanismo de Combate e Prevenção da Tortura previsto em Protocolo assinado pelo Brasil. “O projeto, como aprovado pela Câmara dos Deputados, não inclui um processo seletivo público para a eleição dos peritos que realizarão as visitas, o que compromete a independência dos membros. Ademais, não garante expressamente a faculdade do Mecanismo de realizar visitas aos locais de privação de liberdade independentemente de comunicação prévia às autoridades. A Câmara, além de excluir a garantia expressa de essa faculdade prevista no projeto original, ainda acrescentou a necessidade de aviso da visita ao Mecanismo Estadual — se houver — com 24 horas de antecedência. A não garantia de realização de visitas sem comunicação prévia esvazia o espírito do Protocolo Facultativo, pois retira a independência de atuação e exclui o poder dissuasório que visitas surpresas podem ter”, dizem as autoras.


Leia o artigo:

Fim da tortura pode ser a pauta de todos nós

A população nas ruas parece pedir respostas para promessas descumpridas de nossa democracia. Uma dessas promessas descumpridas é o tratamento digno a toda pessoa e a proibição absoluta da tortura, seja ela como forma de castigo, seja como instrumento utilizado para obter informações.

Incontáveis mecanismos internacionais de direitos humanos já afirmaram enfaticamente que a tortura nos presídios brasileiros é ainda “generalizada e sistemática”. Talvez a visita mais impactante foi a de Nigel Rodley, Relator da ONU sobre Tortura, que realizou uma missão ao Brasil em 2002. Numa das frases mais lembradas de seu relatório, Rodley diz que ouviu de um dos detentos: “aqui nos tratam como animais e querem que depois nos comportemos como serem humanos”.

Depois de Rodley, outros mecanismos da ONU chegaram às mesmas conclusões. Em 2009, o Comitê Contra Tortura, depois de uma longa investigação afirmou que “a tortura e maus tratos similares continuam a ser utilizados de modo generalizado e sistemático”. O mais recente foi a missão do Subcomitê para a Prevenção da Tortura, de 2011, que afirmou esperar que o Governo brasileiro tome ações decisivas no sentido de erradicar a tortura e os maus-tratos infligidos a todas as pessoas privadas de liberdade.

Conclusões parciais de uma pesquisa em andamento desenvolvida pela ACAT, Conectas, IBCCrim, NEV/USP e Pastoral Carcerária mostram que a tortura no Brasil não chega ao Judiciário. A maioria dos casos analisados pelos Tribunais de Justiça dos estados brasileiros trata sobre tortura entre particulares e não sobre os casos de maus tratos perpetrados por agentes públicos. A tortura praticada por agentes públicos é sub-denunciada e não é investigada devidamente. Além disso, a perícia que pode comprová-la não é independente e acaba tronando a investigação ainda mais frágil. Todo esse cenário contribui para a perpetuação da tortura no Brasil.

Experiências em outros países mostram a importância de contar com mecanismos preventivos efetivos. Em 2007 o Brasil ratificou o Protocolo à Convenção contra a Tortura e se comprometeu a criar um Mecanismo de Combate e Prevenção à Tortura. Este Mecanismo tem como principal objetivo monitorar lugares de privação de liberdade com fins de prevenção da tortura, podendo entrevistar pessoas, ter acesso a documentos e propor recomendações às autoridades competentes, com o objetivo de erradicar a tortura no país.

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para criar esse Mecanismo. Mas o projeto, como aprovado pela Câmara dos Deputados, não inclui um processo seletivo público para a eleição dos peritos que realizarão as visitas, o que compromete a independência dos membros. Ademais, não garante expressamente a faculdade do Mecanismo de realizar visitas aos locais de privação de liberdade independentemente de comunicação prévia às autoridades. A Câmara, além de excluir a garantia expressa de essa faculdade prevista no projeto original, ainda acrescentou a necessidade de aviso da visita ao Mecanismo Estadual – se houver – com 24 horas de antecedência. A não garantia de realização de visitas sem comunicação prévia esvazia o espírito do Protocolo Facultativo, pois retira a independência de atuação e exclui o poder dissuasório que visitas surpresas podem ter. O PL ainda pode sofrer modificações no Senado Federal. Isso é indispensável.

A tortura hoje afeta principalmente os alvos preferenciais de um sistema de justiça seletivo: jovens, pobres, negros e pardos. Sendo assim, é mais um elemento que conforma esse emaranhado de injustiças contra o qual a população se levanta. O Brasil fala nas ruas não às injustiças. E hoje, no Dia Internacional de Luta Contra a Tortura, o fim dessa prática medieval também pode ser a pauta de todos nós.

Flávia Piovesan é procuradora do Estado de São Paulo e professora de Direitos Humanos e Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

Juana Kweitel é diretora de Programas da Conectas Direitos Humanos


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Conectas na mídia:

MP pede ouvidoria federal contra tortura policial no Estado de SP (O Estado de S. Paulo – 27/02/2013)
Ação civil pública é resultado de debate iniciado logo após morte de publicitário por PMs da capital, em julho

Hora de erradicar a tortura (O Globo – 04/07/2012)
Artigo de Juana Kweitel

O que faz as prisões do Brasil serem chamadas de ‘medievais’? (Folha de S. Paulo – 18/11/2012)

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