Por Muriel Asseraf, coordenadora de Desenvolvimento Institucional da Conectas
No dia 3/12 foi lançado o World Giving Index (Índice Mundial de Doações), levantamento feito com mais de 155 mil pessoas em 146 países que investiga a cultura de doação no mundo. As conclusões são apresentadas “com base em evidências que revelam a amplitude e a natureza do ato de doar” e levam em conta contribuições individuais em dinheiro, doações de tempo em trabalho voluntário e a disposição em ajudar um desconhecido. A pesquisa mostrou que, apesar das dificuldades enfrentadas pela economia mundial, a filantropia individual está aumentando em todas as suas formas. Canadá e Estados Unidos ainda são os países que mais fazem doações para a caridade.
Mas as boas notícias terminam por aí. No caso do Brasil, infelizmente, o panorama é bem menos animador. Apesar de ocupar o posto de 6a maior economia do mundo, o País recuou 8 posições no World Giving Index, passando de 83o em 2012 para 92o em 2013. Isso mostra que parece não existir correlação entre prosperidade econômica e um aumento no nível das doações. O avanço na renda dos indivíduos não se traduziu num maior apoio individual às causas sociais.
Em valores absolutos, o Brasil ocupa a 8a posição da lista, e 34 milhões de brasileiros afirmaram ter doado dinheiro a instituições de caridade em 2013. De todo esse volume de doações, no entanto, apenas uma pequena parcela é usada na defesa dos direitos humanos – apesar de o País ainda ser palco de flagrantes abusos e violações. É imperativo que as organizações que defendem esses direitos sejam fortalecidas e consigam solucionar a falta de sustentabilidade financeira.
Há muitos desafios no caminho do crescimento do apoio individual à defesa de causas ligadas aos direitos humanos, entre eles sua “má reputação”, a ausência de incentivos fiscais e a crença generalizada segundo a qual as ONGs não seriam dignas de confiança. Para sobreviver neste contexto, as organizações às vezes são obrigadas a se tornarem prestadoras de serviços, implementado projetos a pedido dos governos municipais e estaduais. As corporações, por sua parte, criaram fundações próprias, que se encarregam da implementação de seus projetos. As exceções se veem nas ONGs que dependem de recursos de fundações internacionais ou fundos multilaterais.
Algumas iniciativas já foram lançadas na tentativa de remediar este desanimador panorama. No dia 30/11 ocorreu a primeira edição do #DiadeDoar, uma data especialmente criada para lembrar o público da necessidade de doar: sangue, brinquedos, livros ou roupas para aqueles em situação de carência; tempo de trabalho voluntário às organizações que prestam serviços às comunidades vulneráveis; dinheiro às organizações de caridade e defesa de causas progressistas, para tornar seu trabalho mais sustentável e eficaz. Lançado este ano pelo Movimento por uma Cultura de Doação, o “Giving Day”, como é conhecido em outros países nos quais a data já existe há mais tempo, usa o início da temporada de festas de final de ano para incentivar doações a organizações de caridade e debater a importância e o significado desse ato.
Nos últimos anos, com o intuito de facilitar os processos por meio dos quais as organizações captam pequenas doações de indivíduos para sustentar projetos específicos, algumas instituições e sites de crowdfunding também foram inaugurados no Brasil. Um número cada vez maior de ONGs apresenta mecanismos de doação direta em seus sites, como o Paypal e semelhantes. O Instituto Arredondar também criou um sistema através do qual as pessoas podem doar alguns centavos ou reais a determinadas entidades ao arredondar o valor das contas pagas em lojas ou restaurantes. Tornar as coisas mais simples, rápidas e transparentes parece ser o rumo para conquistar os corações das pessoas – e suas contribuições!
É claro que, enquanto organização de defesa dos direitos humanos, a Conectas tem interesse no aumento do apoio individual à causa dos direitos humanos. Mas as implicações vão além disso. O debate a respeito da doação não envolve apenas o dinheiro – talvez este não seja nem mesmo seu elemento primário. O que está em jogo é o modelo de sociedade que estamos construindo no Brasil, uma sociedade na qual cada cidadão se sinta responsável pelo próximo, responsável por garantir que os direitos expressos na Constituição Brasileira sejam iguais para todos; uma sociedade na qual os cidadãos sejam os principais detentores desses direitos, e não apenas vítimas de abusos, e na qual as organizações de defesa dos direitos humanos sejam valorizadas como representantes indispensáveis daqueles que não têm voz. Trata-se de garantir que o desenvolvimento econômico vivido no Brasil seja traduzido num futuro melhor para todos, igualmente.
No dia 10/12, quando celebramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos, proclamado pela Assembleia Geral da ONU para “chamar a atenção dos povos do mundo para a Declaração Universal dos Direitos Humanos como critério comum de avanço para todos os povos e nações”, devemos primeiro pensar no modelo de sociedade que estamos ajudando a construir. Embora os desafios pareçam grandes em todas as direções, devemos recordar os valores universais contidos na declaração, e o papel desempenhado pelas ONGs que trabalham para garantir sua aplicação integral a todos. Tais organizações não podem sobreviver sem o apoio dos cidadãos.