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05/08/2013

Desenvolvimento não é expansão do consumo

Nova edição da Revista Sur discute o impacto do desenvolvimento entendido como crescimento econômico nos direitos humanos



A difícil relação entre os direitos humanos e o imperativo do desenvolvimento é cotidiana, especialmente nos países do Sul global. A construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte é um exemplo emblemático dessa tensão. Em nossos países esse conflito está se resolvendo em favor de um suposto “crescimento econômico” e contra as comunidades diretamente afetadas. Belo Monte é um exemplo também de como essa tensão pode afetar toda a arquitetura de proteção dos direitos humanos: foi a adoção de medidas cautelares pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil no caso de Belo Monte que desencadeou a maior crise no Sistema Interamericano.

São os questionamentos em torno desse conflito entre o desenvolvimento e a defesa dos direitos humanos o tema central da nova edição da Revista Sur, já disponível online.

O artigo introdutório sintetiza discussões levantadas durante um encontro de 24 organizações latino-americanas em maio de 2012. Nele se conclui que “enfrentamos hoje uma nova onda de violência e criminalização contra aqueles que defendem valores e modelos alternativos ao crescimento econômico entendido apenas como expansão do consumo.” Como uma das estratégias para enfrentar essas tensões, propõe-se trabalhar as questões localmente sem perder a perspectiva de sua importância transnacional. “Seguir lutando estrategicamente no nível micro, caso a caso, mas com um discurso claro e sólido de princípios”, conclui.

Além do artigo introdutório, a edição 17 da Sur ainda apresenta outros quatro trabalhos sobre direitos humanos e desenvolvimento e uma entrevista com o professor Sheldon Leader, diretor do Essex Business and Human Rights Project na qual se discute o papel do sistema ONU de direitos humanos na responsabilização das empresas por violações aos direitos humanos.


Dossiê “Desenvolvimento e Direitos Humanos”

Desenvolvimento e Direitos Humanos: Algumas Ideias para Reiniciar o Debate
César Rodríguez Garavito, Juana Kweitel e Laura Trajber Waisbich

A Contribuição dos Procedimentos Especiais da ONU para o Diálogo entre os Direitos Humanos e o Desenvolvimento
Irene Biglino, Christophe Golay e Ivona Truscan

Direito à Água: Entendendo seus Componentes Econômicos, Social e Cultural como Fatores de Desenvolvimento para os Povos Indígenas
Luis Carlos Buob Concha

Por um Novo Paradigma de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas: Uma Análise Crítica dos Parâmetros Estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
Andrea Schettini

Crescimento Econômico pode Traduzir-se em Acesso a Direitos? Desafios das Instituições da África do Sul para que o Crescimento Conduza a Melhores Padrões de Vida
Serges Alain Djoyou Kamga e Siyambonga Heleba

Empresas Transnacionais e Direitos Humanos


Vídeo

Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas, comenta a relação entre Direitos Humanos e desenvolvimento, tema que norteia a nova edição da Revista Sur.


Outras vozes

Dilemas do Coletivo: instituições, pobreza e cooperação no manejo local dos recursos de uso comum, de Juan Cárdenas

“O espaço físico que sustenta nossos recursos naturais é coletivo em sua essência – ainda que não o seja de iure, ou no papel – e os benefícios que como sociedade herdamos dele são, portanto, também coletivos. Mas também são coletivos os custos ambientais de tomar decisões individuais que afetem esse bem estar social; daí deriva a responsabilidade social que temos para desenhar as instituições (regras do jogo) locais efetivas.”

Etincidad.gov: os recursos naturais, os povos indígenas e o direito à consulta prévia nos campos sociais minados, de César Garavito

“Colocadas à prova em contextos radicalmente distintos aos das negociações imaginadas por teóricos da governança e os reguladores internacionais, as regras processuais da consulta [prévia] têm efeitos inesperados e ambíguos. De um lado, diluem as reivindicações políticas indígenas em discussões processuais dominadas pelas empresas, com escassa intermediação do Estado. No entanto, o deslocamento das disputas substanciais por aquelas processuais é incompleto e imperfeito, de modo que as diferenças de fundo reaparecem constantemente e geram uma confusão de fundo e forma que se traduz em constantes equívocos nas negociações – alguns casuais, outros produzidos deliberadamente pelas empresas, pelas comunidades indígenas ou pelas autoridades estatais que exploram estrategicamente essa confusão.”

Muito além da economia verde, de Ricardo Abramovay. Editora Abril. São Paulo: 2012.
“Vinte e um cientistas ganhadores de uma espécie de prêmio Nobel do meio ambiente publicaram no início de 2012 um manifesto que começa com a célebre frase de Martin Luther King: nós temos um sonho. Seu diagnóstico é implacável: a habilidade humana de fazer foi além da capacidade humana de compreender; a civilização contemporânea vive a explosiva combinação de evolução tecnológica rápida e evolução ético-social lenta. É necessário ir muito além da economia verde exatamente pela impossibilidade de continuar pisando no acelerador contando com a inovação tecnológica para evitar que as fronteiras ecossistêmicas, já ultrapassadas em algumas dimensões, sejam globalmente atropeladas, o que traria consequências catastróficas para a vida social.”


Casos e Iniciativas
Projeto mineiro de Conga – Peru
A exploração mineira de áreas protegidas na região de Cajamarca pelas empresas New Mont e Buenaventura provocou a mobilização da população local, agora engajada em mitigar os efeitos ambientais e sociais dos contratos assinados pelo governo peruano no âmbito do acordo de livre-comércio que o país mantém com os Estados Unidos e com o Canadá – o que impediria, em um primeiro momento, sua suspensão. Segundo Rocío Silva, da Coordenação Nacional de Direitos Humanos, o projeto desenvolveu-se sem consulta prévia e lideranças locais são sistematicamente perseguidas por agentes de segurança.

Cerro de Oro – México
Nos anos 1980, povos do estado de Oaxaca, rico em recursos naturais, se viram afetados pela construção de uma usina hidrelétrica no lugar de uma antiga barragem. A obra, financiada pela Overseas Private Investment Corporation, agência dos Estados Unidos, deslocou mais de 26 mil indígenas. Não houve consulta prévia aos povos afetados, assim como estudos que detalhassem o impacto social e ambiental do projeto. Segundo Mariana Gonzáles, do Centro de Análise e Investigação Fundar, a mobilização das comunidades locais fez com que a empresa detivesse a obra em 2011 até que um acordo seja feito entre as partes.

Caso Celco
Um santuário natural localizado na região central do Chile foi o local escolhido para a implantação de uma indústria de celulose, a Celco. A obra provocou uma hecatombe ambiental, especialmente no rio que corta a área, segundo José Araya do Observatório Cidadão. Unida, a população local conseguiu pressionar o governo a ponto de que se implantasse ali um projeto de manejo dos resíduos que hoje serve de modelo para todo o país. A mobilização também ocasionou mudanças importantes e positivas na legislação ambiental do Chile, como a criação de uma lei de uso das áreas de proteção costeira.

Afetados pela Vale
A atuação da mineradora brasileira Vale em mais de 30 países é problemática do ponto de vista social, ambiental e da proteção dos direitos humanos das populações atingidas por seus grandes projetos extrativos. Essa constatação impulsionou a articulação de agentes de diversos países e a formação de uma plataforma para denunciar os problemas e cobrar mudanças da empresa. Além de produzir relatórios que desmistificam as experiências de responsabilidade social corporativa propagadas pela Vale, o grupo organiza greves e manifestações e faz campanhas junto ao público – como a que elegeu a mineradora como a pior empresa do mundo no Public Eye Award.

Plataforma do BNDES
Segundo João Roberto Lopes Pinto, do Instituto Mais Democracia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é acionário em 22 das 30 maiores empresas brasileiras. Seus enormes financiamentos, da ordem de R$145 bilhões em 2012, não raro contradizem outros órgãos do governo e ameaçam os direitos humanos de populações vulneráveis no Brasil e no exterior. Tendo em vista o desafio de abrir um diálogo a fim de conferir mais transparência aos contratos e monitorar de perto o impacto dos projetos financiados, criou-se a Plataforma BNDES, que organizou em 2009 um encontro internacional dos afetados pelo banco.

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