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Notícia
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29/10/2025

“A morte não é política pública”: organizações repudiam operação policial mais letal da história do RJ

Carta pública assinada por 27 entidades responsabiliza o governo do Rio pela adoção de uma doutrina de guerra e cobra o cumprimento da decisão do STF sobre redução da letalidade policial

Policiais em ação durante a Operação Contenção, no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro. Foto: Mauro Pimental/AFP Policiais em ação durante a Operação Contenção, no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro. Foto: Mauro Pimental/AFP


Uma carta pública assinada por 27 organizações de direitos humanos, entre elas a Conectas, repudia a Operação Contenção, realizada nesta terça-feira (29) nos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação policial deixou mais de 60 mortos e foi classificada como a mais letal da história do estado.

As entidades denunciam o uso ilegítimo da força pelo Estado, o racismo estrutural presente na política de segurança e a adoção de uma doutrina de guerra como modelo de gestão pública. Segundo o documento, o governador Cláudio Castro é responsável por quatro das cinco operações mais letais já registradas no Rio — entre elas as chacinas da Vila Cruzeiro (2021) e do Jacarezinho (2022). “O que o governador classifica como a maior operação da história do Rio é, na verdade, uma matança produzida pelo Estado brasileiro”, afirmam as organizações.

O texto critica o pedido do governo estadual de uso de blindados do Exército e o enquadramento da operação como um “estado de defesa”, o que, segundo as organizações, confirma a militarização das políticas de segurança e a consolidação de uma lógica de extermínio voltada contra a população negra e pobre das favelas.

Violação de padrões internacionais

A carta cita o Manual sobre o Uso da Força e Armas de Fogo por Agentes da Segurança Pública, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), e afirma que as ações do Estado do Rio violam todos os princípios internacionais de legalidade, necessidade, proporcionalidade, precaução e responsabilidade.

As organizações lembram que o Rio já foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, nas chacinas de Acari (1990) e Nova Brasília (1994 e 1995), e que o padrão de violência policial segue sendo reproduzido. Dados do Instituto de Segurança Pública apontam que, entre 2014 e 2024, 5.421 jovens de até 29 anos foram mortos em intervenções policiais no estado.

Ataque à ADPF das Favelas

As entidades também criticam os ataques do governador à ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que estabelece parâmetros para reduzir a letalidade policial. Ao tentar enfraquecer o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal, o governo busca, segundo as organizações, “deslegitimar o controle das polícias e a atuação da sociedade civil na defesa do direito à vida”.

O documento denuncia ainda a gratificação por bravura, prevista na nova Lei Orgânica da Polícia Civil, que substituiu a antiga “gratificação faroeste”. Para as organizações, premiar o confronto e a morte “estimula a mentalidade de guerra e transforma comunidades em campos de batalha”.

Exigências e responsabilização

Diante da gravidade dos fatos, as organizações exigem que o governo abandone imediatamente a mentalidade de guerra e que o Ministério Público e o Judiciário investiguem e responsabilizem os agentes envolvidos — incluindo o governador — por políticas que violam a legalidade e os direitos humanos.

As entidades também reivindicam a revogação das gratificações que premiam a letalidade policial e o cumprimento integral da decisão do STF que determina a elaboração e implementação do Plano Estadual de Redução da Letalidade Policial “A segurança pública deve garantir direitos, não violá-los. Moradoras e moradores das favelas têm direito à vida, à integridade física e à paz — e isso não é negociável”, conclui o documento.

Assinam a carta: Amparar (Associação de Amigos/as e Familiares de Pessoas Presas e Internos/as da Fundação Casa), Anistia Internacional Brasil, Casa Fluminense, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), CIDADES – Núcleo de Pesquisa Urbana da UERJ, Conectas Direitos Humanos, FASE RJ (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), Fórum Popular de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Frente Estadual pelo Desencarceramento – RJ, GAJOP (Gabinete Assessoria Jurídica às Organizações Populares), Grupo Tortura Nunca Mais – RJ, Iniciativa Direito Memória e Justiça Racial, Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), Instituto de Estudos da Religião (ISER), Instituto Papo Reto, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Justiça Global, Movimento Unidos dos Camelôs, Movimentos, NAJUP Luiza Mahin (Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular), Núcleo de Estudos e Pesquisa Guerreiro Ramos – Negra/UFF, Observatório de Favelas, Plataforma Justa, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Rede Justiça Criminal, RENAP RJ (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares) e Redes da Maré.


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