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06/06/2016

Da reforma à bancarrota

Como o Brasil e outros países da região deixaram o Sistema Interamericano de Direitos Humanos à beira do colapso



Atualizada em 22/6

A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) pede socorro. James Cavallaro, presidente do principal órgão de promoção e defesa dos direitos humanos no continente, foi aos jornais em maio para comunicar o iminente corte de cerca de 40% da equipe de funcionários e a provável interrupção, a partir de agosto, das principais atividades do órgão. “Estamos à beira do colapso como nunca antes”, afirmou em artigo publicado no jornal espanhol El País.

Cavallaro se referia à crise financeira crônica que atinge a CIDH e que se aprofundou com a notícia de que os países europeus, responsáveis por uma significativa parcela dos fundos da entidade, redirecionariam seus recursos de ajuda internacional para a mitigação da crise humanitária vivida pelos refugiados no continente.

Para achar os responsáveis pela crise, no entanto, não é preciso cruzar o Atlântico.

Hoje, cerca de 50% do orçamento da CIDH depende de transferências voluntárias, que incluem doações de entidades públicas e privadas internacionais, mas principalmente de membros da OEA. No ano passado, apenas nove dos 34 países que fazem parte da organização doaram à Comissão. O valor total desses repasses, de US$ 2,27 milhões, não são suficientes nem para cobrir os custos com pessoal.

A outra parcela do orçamento da CIDH é composta por uma fatia fixa de 6% dos chamados fundos regulares da OEA. Esses fundos, por sua vez, são formados pelo pagamento de cotas obrigatórias por cada membro da organização. As cotas variam de acordo com o tamanho da economia dos países.

Como mostra artigo publicado por especialistas da Conectas em 2015, depois de um longo período de debates sobre as limitações e desafios conhecido como “processo de fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, os países da região chegaram ao consenso de que a sustentabilidade financeira da Comissão dependia da paulatina substituição das transferências voluntárias (principalmente a destinadas a áreas específicas de atuação da CIDH) pelos recursos derivados dos fundos regulares e se comprometeram a aumentar o volume das cotas.

A promessa nunca foi cumprida. Ao contrário: a falta de pagamento das cotas obrigatórias por parte de países como o Brasil abriu um rombo no orçamento da OEA.

Balanço parcial de 2015 publicado em maio mostra que, até setembro do ano passado, a dívida dos Estados com a OEA chegava a USD 24,5 milhões. O governo brasileiro, sozinho, deixou de pagar US$ 10,2 milhões referentes às cotas de 2015 e US$ 5 milhões relativos às cotas de 2014. Os pagamentos do Brasil representam 12,4% dos fundos regulares.

Os países tinham até o dia 31/12 para fazer os repasses. Se o valor de arrecadação se confirmar, a redução dos fundos regulares em relação a 2014 será de 18,6% e o rombo, o maior em cinco anos.

Segundo os autores do artigo, o aumento das transferências do fundo regular da OEA para a CIDH é necessário, mas, como demonstram as dificuldades em garantir o pagamento das cotas, é uma medida de longo prazo. As transferências voluntárias, preferencialmente sem vinculação temática, seriam a saída a curto e médio prazo para garantir o funcionamento do órgão – e o governo brasileiro tem falhado também nesse âmbito. Sua última doação, no valor de US$ 10 mil, foi feita em 2009.

“A situação do Brasil é ilustrativa: o país foi defensor da substituição das doações pelos fundos regulares, mas é um dos mais inadimplentes no pagamento das cotas obrigatórias, impactando diretamente os repasses. Por outro lado, não faz doações voluntárias diretamente à CIDH há sete anos, inviabilizando o funcionamento da Comissão também no curto prazo”, explica Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas.

“Nossa dívida com a OEA é muito mais do que financeira – é moral. Sem vontade política real, será impossível manter a sustentabilidade financeira da Comissão. E a sociedade perde muito porque, para muitas vítimas de violações, ela é o último instrumento na busca por justiça”, completa.

A pressão sobre o governo brasileiro é cada vez maior. No dia 16/6, 56 organizações brasileiras, entre elas a Conectas, publicaram carta aberta conclamando o país a tomar “as medidas necessárias para garantir – de maneira imediata e adequada –  o financiamento do órgão”. As entidades demandaram, ainda, que o país apoie a criação de um fundo sustentável de financiamento da CIDH e da Corte Interamericana de Direitos Humanos “que garanta a manutenção das ferramentas que o Sistema Interamericano fornece a milhões de pessoas no Brasil e nas Américas”.

  • Clique aqui para ler a íntegra da carta aberta publicada pelas organizações brasileiras.

Mercosul

No dia 27/5, uma carta assinada por 350 organizações de todo o continente pedindo o comprometimento dos países com a recuperação financeira da CIDH foi lida durante a Reunião das Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados (a RAADH), realizada em Montevideo, no Uruguai. A pressão surtiu efeito: os países se comprometeram a buscar soluções para a crise. Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru divulgaram ainda uma declaração especial reconhecendo a importância do trabalho da Comissão.

  • Clique aqui para ler a íntegra da carta assinada pelas organizações da sociedade civil.

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