Questões assim geram debate entre organizações da sociedade civil desde a década de 1970. Mas, no mundo corporativo, isso só começou a ser disseminado para além dos departamentos de sustentabilidade bem mais recentemente.
Em 2008, o professor John Ruggie, da Universidade Harvard, apresentou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU o Marco Proteger, Respeitar e Reparar, que esclarece os deveres do Estado e das empresas na proteção dos direitos humanos e na reparação de abusos. Em 2011, foram adotados os Princípios Retores que detalham como o marco funcionaria na prática.
Esses princípios são hoje a principal referência normativa sobre o tema na ONU.
Eles têm importantes limitações, mas, ao mesmo tempo, trazem avanços, tais como: a obrigação de que as empresas tenham uma visão contextualizada dos riscos aos direitos humanos que seus negócios possam causar (Princípio 16); a obrigação de realizar a devida diligência em direitos humanos, com a integração das análises de impactos aos processos internos, acompanhamento periódico de sua eficácia e comunicação formal às partes interessadas (Princípios 18 a 21); e regras mais claras sobre a responsabilidade pela cadeia de valor (Princípio 17). Com a adoção dos princípios, foi criado um grupo de trabalho encarregado de dar continuidade ao debate no Conselho de Direitos Humanos, o mais alto órgão de direitos humanos da ONU.
Entre 28 e 30 de agosto, esse grupo organizou, em Medellín, na Colômbia, o 1º Foro Regional sobre Empresas e Direitos Humanos. Infelizmente, o encontro não apresentou avanços para prevenir e remediar violações a direitos humanos por parte das empresas. No hotel oficial do evento, empresas e governos debatiam “melhores práticas”, mas o formato dos painéis era truncado, quase teatral, e desfavorável a um diálogo sincero.
Já receosos de que isso poderia ocorrer, algumas entidades da sociedade civil se reuniram em evento paralelo, na Escola Nacional Sindical, na mesma cidade.
Ali foram relatados vários casos de violações a direitos humanos pela atuação de mineradoras e a construção de hidrelétricas, como a Usina de Belo Monte.
Entre as denúncias estavam a morte e a criminalização de lideranças em vários países da região e casos de espionagem e infiltração nos movimentos sociais.
Solenemente ignorados no evento oficial, protestos de agricultores rurais sacudiram todo o país exatamente nos mesmos dias do foro regional. Por trás das manifestações, havia o inconformismo com os efeitos negativos de um acordo de livre comércio assinado pela Colômbia com os Estados Unidos que entrou em vigor em maio de 2012. Em síntese, uma oportunidade perdida em um momento em que avançar é imperioso.
Os abusos aos direitos humanos por parte do setor empresarial na América Latina atingiram nível crítico, favorecidos, entre outras coisas, pela omissão dos Estados em regular de maneira consistente a atuação das corporações e a predominância da velha bandeira do “desenvolvimentismo” — seja com que roupa nova ela venha a se vestir.
A expectativa era de que o grupo de trabalho criado em 2011 pudesse encarar esse desafio por meio do diálogo ativo com afetados e desenvolvesse alguns pontos que foram insuficientemente tratados nos Princípios Retores.
Infelizmente, o grupo tem sido parcial na sua estratégia de diálogo, privilegiando desproporcionalmente o setor empresarial em detrimento das vítimas.
Em breve, teremos um novo capítulo desse debate. Em dezembro próximo ocorrerá, pela segunda vez, a versão global do Foro de Empresas e Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça. É imprescindível que nessa ocasião as vítimas sejam ouvidas e espera-se que sua presença se dê, por coerência e inteligência, a convite do próprio grupo de trabalho da ONU.
JUANA KWEITEL
Diretora de Programas da Conectas Direitos Humanos, palestrante do Foro Regional de Medellín
CAIO BORGES
Pesquisador do Projeto Empresas e Direitos Humanos da Conectas Direitos Humanos