Apesar do alto índice de decretos, portarias e medidas provisórias publicados pela União, a imunização da população brasileira contra a Covid-19 não estava entre as prioridades do governo federal, como mostra a terceira edição do Boletim Direitos na Pandemia.
Entre janeiro e julho de 2020, o Poder Executivo federal publicou 1.838 normas jurídicas relativas à pandemia do novo coronavírus. Destas, apenas cinco tratam de vacinas — ainda que nenhuma ofereça qualquer diretriz sobre como o governo federal pretende organizar a produção, distribuição e aplicação em massa da imunização no Brasil, além de não estimular a pesquisa.
O documento mostra que, apesar da falta de destaque para a vacina, é possível identificar medidas autoritárias do governo sem ligação direta com o combate à pandemia. Grande parte das ações vinham tentando ganhar espaço ainda antes do início da crise sanitária e agora encontraram a oportunidade ideal para serem legalizadas sem grande resistência.
Um exemplo é a medida provisória que instituiu a possibilidade de nomeação de reitores, sem eleições e de forma temporária, para instituições federais durante o período de emergência.
O Boletim Direitos na Pandemia faz parte do projeto “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil”, elaborado pelo Cepedisa (Centro de Pesquisa e Estudos sobre Direitos Sanitário) da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) em parceria com a Conectas Direitos Humanos.
Participaram desta edição as equipes do LAUT (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), que analisaram o impacto da pandemia sobre a democracia brasileira, e membros da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA e do GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), que explicam a importância da licença compulsória de vacinas para enfrentamento à pandemia.
Entender as medidas de emergência no Brasil requer uma análise do contexto político do país, em meio a atos anteriores e atuais, muitas vezes desvinculados da crise sanitária.
“A distinção entre medidas de emergência e medidas do estoque autoritário (não relacionadas declaradamente à pandemia) pode também revelar as tendências autoritárias que ocorrem no período de crise do coronavírus para aproveitar uma janela de oportunidade”, destaca o documento.
Para acompanhar os impactos destas medidas, o LAUT publicou um catálogo de atos estatais durante a pandemia que trazem risco à democracia.
Na contramão da falta de propostas do Executivo, o Congresso Nacional apresentou uma série de iniciativas legislativas que buscam aumentar a capacidade de negociação e de compra do governo brasileiro.
“Vacinas devem ser consideradas bens públicos globais. Bens públicos globais são patrimônios da humanidade”. É nesta máxima que a nova edição do Boletim explica o Projeto de Lei (PL) 1462/20, principal proposição para universalizar o acesso da população brasileira à imunização. O projeto pretende suspender monopólios para tecnologias úteis no enfrentamento à Covid-19 e futuras pandemias por meio de licenças compulsórias. Prevista em lei, a licença compulsória está alinhada a acordos internacionais que regulam o tema.
“A estratégia de garantir que não haja monopólios durante a pandemia é o melhor caminho a ser seguido, pois garante a autonomia do país, aumenta as possibilidades de compra e, ainda, dá ao governo brasileiro mais poder de negociação”, destaca Pedro Villardi, coordenador de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA e coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual – GTPI.