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09/08/2021

Consulta prévia, livre e informada: veja a importância da Convenção 169 da OIT para os indígenas

Ratificado pelo Brasil em 2003, tratado internacional da ONU reconhece plenamente os direitos ao território e aos bens naturais dos povos originários e tradicionais

 Indígenas Yawanawa do rio Gregório, no Acre. Foto Secom AC 
Indígenas Yawanawa do rio Gregório, no Acre. Foto Secom AC

Entender, refletir e decidir sobre o futuro de suas vidas e de seus territórios por meio de uma “consulta prévia, livre e informada”. Este é o principal fundamento da  Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da OIT (Organização Internacional do Trabalho), agência da ONU para questões de trabalho.

Adotada em 1989 pelas Nações Unidas, o documento rompe com a ideia vigente à época de que os Estados deveriam buscar assimilar os povos indígenas à cultura ocidental, ou a uma suposta cultura nacional. Torna-se, portanto, o primeiro mecanismo de abrangência internacional a reconhecer de forma ampla as “condições sociais, culturais e econômicas” dos povos originários e tradicionais e obriga os países signatários a assumirem “a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade”. 

Desde sua adoção, a convenção foi ratificada por 23 países, incluindo 15 latino-americanos: Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru e Venezuela, de acordo com dados do Escritório da OIT no Brasil.

Para ter valor legal, convenções como esta precisam ser ratificadas pelos Estados-membros da OIT, de acordo com os trâmites de cada país. No Brasil, este processo foi longo e contou com a participação de lideranças indígenas. Em junho de 2002, após a aprovação do Decreto Legislativo número 143, no Congresso Nacional, o governo brasileiro ratificou o texto da convenção, que entrou em vigor em julho de 2003. Ganhando, assim, status supralegal. 

Reconhecimento dos direitos indígenas 

Para Julia Neiva, coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, o texto é inovador porque “possibilita que outras visões de desenvolvimento sejam consideradas durante um processo para a instalação de um empreendimento econômico, seja público ou privado”. 

Esta possibilidade está na sustentação central da convenção, presente no seu sexto artigo: qualquer atividade com impacto na vida e no território de povos indígenas e tradicionais precisa passar por uma consulta livre, prévia e informada.“Isso vale, por exemplo, para a construção de uma rodovia ou para instalação de uma área de garimpo. Ninguém entra na casa de uma pessoa e muda as coisas sem consentimento”, diz Neiva.

Na prática, os órgãos governamentais e outras partes interessadas em explorar economicamente ou instalar algum serviço em determinada área precisam oferecer elementos para que as comunidades compreendam todos os impactos daquela mudança. Esta consulta pode ocorrer por meio de audiências públicas, conversas, tradução de documentos para a língua de um povo originário e outros mecanismos que fazem sentido para o contexto. No final das tratativas, o projeto pode ser iniciado, modificado ou até mesmo descontinuado, a depender das decisões. 

“A Convenção nº 169 baseia-se no respeito às culturas e aos modos de vida dos povos indígenas e reconhece os direitos deles à terra e aos recursos naturais, e a definir suas próprias prioridades para o desenvolvimento”, afirmou Martin Hahn, diretor do Escritório da OIT no Brasil, em pronunciamento durante o Simpósio Àwúre, realizado em Brasília, no ano de 2019. 

A importância da autoidentificação 

O documento apresenta ainda outra diferença fundamental em relação aos pactos anteriores que tratam dos povos originários. Já em seu primeiro artigo, o texto afirma que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”. De acordo com Neiva, este trecho deixa bastante evidente que a autoidentificação é um fator que não pode ser ignorado no processo de consulta. 

Para que a convenção cumpra sua função, é preciso combater os desvios em sua aplicação, especialmente consultas meramente protocolares, realizadas sem, de fato, envolver as comunidades. “Os órgãos ambientais, a Funai e o Ministério Público precisam acompanhar e estar atentos a irregularidades que possam ocorrer nestes processos”, afirma Neiva.“Quando planejam desenvolver um empreendimento em terras indígenas ou territórios tradicionais, as empresas, bem como os bancos financiadores, precisam assumir o dever de diligência em direitos humanos, seguindo a legislação.” 

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