Conectas participa de reunião do Conselho da ONU que discutirá Síria, Irã e Coreia do Norte
Organização fará intervenções em Genebra em defesa dos direitos humanos e deve cobrar posições mais coerentes do Brasil
A general view at a 26th session of the Human Rights Council. 26 June 2014. UN Photo / Jean-Marc Ferré
O Conselho de Direitos Humanos da ONU, que se reúne de 27 de fevereiro a 23 de março para sua 19ª. Sessão, em Genebra, na Suíça, terá o desafio de abordar alguns dos maiores impasses impostos recentemente à comunidade internacional. Síria, Irã e Coreia do Norte, além da Birmânia/Mianmar, encabeçam a lista, mas a pauta do Conselho inclui ainda questões controvertidas, como as violações de direitos humanos cometidas por empresas e governos na organização de grandes eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e os crimes cometidos contra jornalistas, não apenas em países em guerra, mas também em contextos de perseguição política e narcotráfico.
A Conectas – organização de direitos humanos fundada há 10 anos no Brasil, cujo raio de ação se estende aos países do Sul Global (África, América Latina e Ásia) – fará uso de seu status consultivo na ONU para intervir oralmente, cobrando real compromisso dos Estados-membros do Conselho em cada um dos temas abordados. O Estado brasileiro será cobrado particularmente sobre as ações policiais realizadas recentemente em Pinheirinho, no município paulista de São José dos Campos, e no centro de São Paulo, na região chamada “Cracolândia”. Conectas cobrará também explicações e fim das violações aos direitos humanos derivadas de grandes empreendimentos de infra-estrutura, como no caso da usina hidrelétrica de Belo Monte.
“Utilizar o sistema ONU e debater com diplomatas nos foros internacionais é uma face do trabalho de defesa dos direitos humanos. É importante dar visibilidade internacional ao que presenciamos no dia-a-dia como defensores de direitos humanos no trabalho com grupos mais vulneráveis, nas prisões ou em países autoritários”, disse Camila Asano, coordenadora de Política Externa e Direitos Humanos da Conectas, que encabeça a comitiva composta por três profissionais da organização na Sessão.
Conectas preparou um roteiro com temas de destaque da sessão para que jornalistas, ativistas de direitos humanos, acadêmicos e outros interessados possam acompanhar os debates (ver abaixo). Atualizações sobre o andamento da sessão serão postadas na página da Conectas no
Facebook diretamente de Genebra.
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Sobre o Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH)
O Conselho é um órgão inter-governamental da ONU, criado em 2006, e composto por 47 Estados. Os Estados são eleitos pela Assembléia Geral das Nações Unidas por períodos de 3 anos. O Conselho tem como mandato fortalecer a promoção e proteção dos direitos humanos ao redor do globo, tratar de situações de violação a esses direitos e fazer recomendações para revertê-las.
Em 2012, o Brasil está presente no Conselho na qualidade de Estado Observador. Embora não vote, o País continua participando das negociações de resoluções, podendo introduzi-las ou as co-patrocinar, além de fazer pronunciamentos orais na plenária. O Brasil foi membro do CDH desde a criação do órgão, em 2006, até junho de 2011, quando concluiu seu segundo mandato consecutivo. Segundo as regras do Conselho, os Estados devem se ausentar como membro por pelo menos um ano para se recandidatarem. O Brasil já indicou interesse em participar do pleito de 2012 e, se eleito, volta a ser membro do Conselho no início de 2013.
Mais informações sobre o Conselho estão disponíveis em sua
página oficial na internet. A ONU realiza também uma cobertura ao vivo, em vídeo, da 19ª sessão.
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O Brasil e os direitos humanos
Discurso da Ministra Maria do Rosário (27/fev) e expectativas da Conectas
Na primeira sessão do Conselho de cada ano, altas autoridades são enviadas pelos Estados para discursar na semana de abertura. Além de apresentarem a situação nacional de direitos humanos, são anunciadas as prioridades de cada país no CDH, incluindo resoluções que encabeçarão em 2012 e suas preocupações no campo dos direitos humanos em âmbito global.
Posição do Estado brasileiro: A Ministra Maria do Rosário (Secretaria de Direitos Humanos) foi a representante do Estado brasileiro na abertura da sessão na segunda-feira (27/fev). Em seu discurso, a Ministra tratou de temas diversos como o combate à desigualdade, sistemas educacionais e de saúde, direito das crianças e dos adolescentes, entre outros.
Além disso, a Ministra confirmou a intenção do Brasil em se candidatar a uma vaga do Conselho para o período de 2013-2015 (as eleições ocorrerão em 2012 na Assembleia Geral). Todos os candidatos devem apresentar compromissos voluntários em matéria de direitos humanos e há grande expectativa sobre quais serão os comprometimentos por parte do Brasil, tanto em âmbito nacional como internacional, que sustentarão sua candidatura.
Posição da Conectas: No âmbito nacional, mesmo reconhecendo alguns avanços elencados no discurso da Ministra, Conectas alerta que o Brasil é palco cotidiano de sistemáticas violações dos direitos humanos. Dentre as mais graves estão aquelas cometidas no sistema carcerário brasileiro, prioridade para a organização. O Brasil abriga hoje mais de 500 mil presos, entre homens e mulheres, e tem uma das superlotações carcerárias mais altas do mundo. No âmbito global, é preciso que o Brasil seja firme diante de situações de graves violações, como no caso da Síria, reforçando a urgência pelo fim da violência e responsabilização dos perpetradores. Conectas também monitorará os compromissos voluntários a serem feitos pelo Brasil ao se candidatar a membro do Conselho.
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Alguns tópicos a serem tratados durante a 19ª Sessão do CDH
Esportes, Olimpíadas e Direitos Humanos
Painel sobre Esportes e Direitos Humanos, com presença de Carlos Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (27/fev)
Na 18ª sessão do CDH, em 2011, Brasil e Reino Unido apresentaram uma resolução sobre a aplicação da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) ao esporte e ao ideal olímpico. O painel é um dos resultados dessa resolução e visa a conscientizar a população em grandes eventos esportivos, como as Olimpíadas e as Paraolimpíadas, sobre os direitos contidos na Declaração.
Posição do Estado brasileiro: o País é um dos idealizadores deste painel. O País já havia patrocinado resolução sobre esporte e racismo no CDH durante sua 13ª sessão, em 2010.
Posição da Conectas: Chamar atenção para graves violações de direitos humanos que ocorrem no âmbito dos mega eventos e mega projetos, principalmente com a realização dos grandes eventos esportivos dos quais o Brasil será sede. Casos de despejos forçados e “operações de limpeza” já em curso no País preocupam a Conectas, que estará vigilante ao tema.
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Jornalistas em risco
Apresentação do relatório da Relatora para Defensores de Direitos Humanos, Margaret Sekaggya, sobre riscos e ameaças enfrentadas por grupos específicos, como jornalistas e profissionais da imprensa (5/mar)
A Relatora da ONU para Defensores de Direitos Humanos apresentará relatório sobre os riscos e ameaças a jornalistas e profissionais da imprensa, ativistas ambientais e pelo direito à terra e a integrantes de movimentos jovens. O documento analisa os riscos que cada grupo enfrenta ao defender os direitos humanos e chama a atenção para casos reportados em diferentes países, como no Brasil.
O Brasil caiu 41 posições no ranking de liberdade de expressão da ONG Repórteres Sem Fronteiras. Desde janeiro, três jornalistas foram assassinados no país, que, em 2011, foi considerado pelo International News Safety Institute (INSI) o 8º país mais perigoso do mundo para o trabalho jornalístico.
Posição da Conectas: A organização decidiu trabalhar este ano em cooperação com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) para descobrir formas de combater os ataques à liberdade de expressão. Na ONU, a organização abordará com especial atenção três padrões de violência contra a imprensa mais comumente verificados na América Latina: (1) ações do crime organizado, cartéis e narcotráfico contra a imprensa, especialmente no Brasil, no México e na Colômbia, (2) aumento das tensões políticas, ataques mútuos, incitação à violência e assédio judicial, além de medidas fiscais coercitivas de governos contra órgãos de imprensa da Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina e Brasil; e (3) violência policial contra jornalistas e comunicadores informais ou populares, em quase todos os países da região, especialmente no Chile.
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Orientação sexual e identidade de gênero
Painel sobre discriminação e violência baseadas em orientação sexual e identidade de gênero (7/mar)
Em 2011, foi aprovada no Conselho de Direitos Humanos uma resolução histórica sobre orientação sexual e identidade de gênero, liderada pela África do Sul e que contou com apoio do Brasil. O painel é um dos desdobramentos da resolução aprovada no ano passado.
Posição do Estado brasileiro: O País promove o painel juntamente com a África do Sul e foi ativo nas negociações para a adoção da resolução no ano passado. A brasileira Irina Bacci, vice-presidente do Conselho Nacional LGBT do governo brasileiro, participará como palestrante do painel.
Posição da Conectas: Depois de muita resistência de algumas delegações, o Conselho finalmente está sendo capaz de tratar da questão da orientação sexual e identidade de gênero e as violações que a população LGBT vivencia em distintos países, incluindo pena de morte para homossexuais, como no caso do Uganda. Conectas apoia a realização do painel e iniciativas que avancem no reconhecimento de direitos LGBT no Brasil e no mundo.
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Direitos Humanos na Síria
Reunião emergencial sobre violações na Síria (28/fev), apresentação do relatório final da Comissão de Inquérito do CDH, chefiada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro (12/mar) e nomeação do novo Relator Especial, para qual o Pinheiro também está sendo cotado (21/mar)
De acordo com a ONU, desde o início dos protestos pró-democráticos na Síria em março de 2011, mais de 6 mil pessoas morreram, incluindo cerca de 400 crianças. Dado o agravamento da crise de direitos humanos no país, ocorreram três sessões especiais do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU sobre o país, respectivamente em abril, agosto e dezembro de 2011. Tanto a Missão de Investigação como a Comissão de Inquérito do CDH, chefiada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, identificaram indícios de crimes contra a humanidade na Síria.
Posição do Estado brasileiro: No CDH, votou a favor da resolução que criou a Missão de Investigação, em abril de 2011, e, mesmo como observador, apoiou as resoluções que criaram a Comissão de Inquérito e o mandato de Relator Especial para Síria. Na Assembleia Geral da ONU, o Brasil também votou a favor de resoluções, condenando as violações na Síria, sendo a última adotada no dia 16 de fevereiro de 2012. No entanto, no Conselho de Segurança, o País absteve-se na votação de resolução que condenava as violações e não autorizava o uso da força, e que acabou sendo vetada por Rússia e China. O Brasil participou de missão do Grupo IBAS – Índia, Brasil e África do Sul a Damasco em agosto de 2011, que não gerou resultados práticos e acabou sendo usada por Assad como trunfo de que estaria cooperando com a comunidade internacional.
Posição da Conectas: O Brasil deve ser mais veemente ao condenar e pedir o fim imediato das violações. Deve, ainda, urgir o governo sírio a cooperar com a comunidade internacional, estabelecer garantias para entrada de ajuda humanitária, e autorizar a entrada de jornalistas e observadores internacionais para que acompanhem a situação no terreno. Além disso, os indícios encontrados pela ONU de crimes contra humanidade tornam urgente que o caso seja encaminhado ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
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Direitos Humanos no Irã
Apresentação do informe do Relator Especial para a situação de direitos humanos no Irã, Ahmed Shaheed (12/mar) e votação pela renovação ou extinção de seu mandato (entre 21 e 23/mar)
Criada em março de 2011, a relatoria especial é ocupada pelo ex-Ministro de Relações Exteriores das Maldivas, Ahmed Shaheed. Sua função é monitorar as violações no Irã e produzir relatórios para subsidiar a ação da ONU. Para tanto, seu mandato permite que ele visite o país para avaliação in loco. Passado um ano, Teerã ainda não permitiu que Shaheed tivesse acesso ao país. Em setembro de 2011, o Relator Especial apresentou um relatório à Assembleia Geral da ONU que destacava a prática de execuções secretas; tortura; detenções arbitrárias; violação dos direitos das mulheres; perseguição de minorias religiosas e étnicas; e repressão da liberdade de expressão, associação e reunião no Irã. Na 19ª sessão do CDH, o Relator Especial apresentará novo relatório, ainda não disponível. A expectativa é que o novo documento reforce as violações presentes e o chamado para que o governo iraniano suspenda essas práticas e coopere com mecanismos de direitos humanos da ONU.
Posição do Estado brasileiro: Embora tenha votado a favor da resolução que criou a relatoria em março de 2011 no CDH, o governo da presidente Dilma Rousseff decepcionou no final do ano passado ao dar continuidade à política do governo anterior de se abster diante de resolução na Assembleia Geral sobre direitos humanos no Irã.
Posição da Conectas: Embora não vote, espera-se que o Brasil apoie publicamente e sem demora a renovação do mandato e faça gestões com outros países para que também façam o mesmo. Essa postura devolveria coerência às posições brasileiras na ONU sobre direitos humanos no Irã, uma vez que desde a criação do mandato, que teve apoio do Brasil, a situação não apresentou melhorias e o governo de Teerã tem sistematicamente se negado a cooperar com as Nações Unidas, incluindo a proibição de visita in loco do relator. Ademais do Brasil e diante de um cenário polarizado, os países da América Latina podem fazer a diferença na aprovação da renovação. Por isso, Conectas enviou, junto com parceiros, pedidos aos países da região que são membros do CDH pedindo apoio à renovação do mandado.
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Direitos Humanos na Birmânia/Mianmar
Apresentação do informe do Relator Especial para situação de direitos humanos na Birmânia, Tomás Ojea Quintana (12/mar) e decisão sobre renovação do mandato (entre 21 e 23/mar)
O mandato do Relator Especial para Birmânia foi criado em 1992 pela antiga Comissão de Direitos Humanos. Desde então, e com o advento do Conselho de Direito Humanos, o relator tem seu mandato renovado anualmente. Atualmente, o cargo é ocupado pelo argentino Tomás Ojea Quintana. Desde 2010, algumas medidas que a ONU há tempos vinha demandando foram atendidas pelo governo birmanês, como a libertação da Nobel da Paz Aun San Suu Kyi e de parte dos presos políticos mantidos pelo regime. No entanto, além da existência de mais presos políticos, ainda há leis repressivas vigentes e falta da responsabilização dos perpetradores, entre outras graves violações que persistem e estarão presentes no novo relatório de Quintana.
Posição do Estado brasileiro: Embora tenha historicamente apoiado a renovação do mandato do Relator Especial para Birmânia no CDH, o País vem se abstendo em resolução condenando as violações de direitos humanos na Birmânia no âmbito da Assembleia Geral.
Posição da Conectas: O acompanhamento da questão deixa claro à organização que o mandato do relator deve ser renovado. De acordo com parceiros birmaneses que trabalham em exílio por conta da repressão, os últimos desenvolvimentos na Birmânia devem ser tratados com cautela, uma vez que já foram vivenciadas aberturas seguidas de retrocessos por conta da manutenção da impunidade no país. A comunidade internacional deve se manter vigilante e a manutenção do monitoramento pelo Relator Especial é fundamental para um processo de real transição à democracia.
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Direitos Humanos na Coreia do Norte
Apresentação do informe do Relator Especial para Coreia do Norte (12/mar) e votação pela renovação ou extinção do mandato (entre 21 e 23/mar)
Criado em 2004, a relatoria especial responsável por monitorar a situação norte coreana de direitos humanos tem seu mandato renovado anualmente dada a falta de melhorias no terreno. O país rejeita veementemente a existência do relator. As expectativas diante da sucessão após a morte do ditador Kim Jong-il por seu filho, Kim Jong-Um, estão presentes no informe que o Relator Especial, o indonésio Marzuki Darusman, apresentará no CDH. Segundo o documento, espera-se que a nova liderança na Coreia do Norte utilize a recente sucessão como uma oportunidade para engajamento com a comunidade internacional e para adoção de um processo de reformas.
Posição do Estado brasileiro: tradicionalmente é um apoiador da renovação da relatoria e de resolução condenando a situação norte coreana de violações sistemáticas. No entanto, em 2010, o País optou por se abster nas votações do CDH e da Assembleia Geral de resoluções condenado os abusos para dar uma janela de oportunidade ao regime norte coreano. Diante de reiterada falta de cooperação com os mecanismos da ONU de direitos humanos, o Brasil voltou atrás e tem apoiado iniciativas da ONU.
Posição da Conectas: A organização apoia a renovação do mandato do Relator e ressalta seu importante papel para o monitoramento da situação dos diretos humanos na Coreia do Norte. A existência da relatoria é uma das poucas formas de garantir fluxo de informação em um regime marcado pela repressão e controle dos dados.
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Conectas participará também de painéis e atividades relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência (1/mar), HIV/AIDS (20/mar) e participação à distância das ONGs nos trabalhos do Conselho de Direitos Humanos.
A agenda oficial completa da 19ª Sessão do CDH pode ser acessada em http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session19/PoW19HRC.pdf