As informações recebidas hoje (26/06) pela Conectas, por meio de suas organizações parceiras no Rio de Janeiro, a respeito da ação do Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar no Complexo da Maré, zona norte da capital carioca, levanta sérias preocupações com o padrão de uso da força empregado no episódio de ontem, quando 10 pessoas foram mortas e outras 10, detidas.
Os relatos de intimidação a moradores e membros da ONG Observatório de Favelas, incluindo o corte no fornecimento de energia elétrica e o corte de comunicações no interior da sede da organização, assim como as ameaças a fotógrafos e comunicadores ligados ao Observatório, atacados com bombas de gás quando saíam para registrar os acontecimentos, representam violações inaceitáveis, que devem ser investigadas, coibidas e reparadas pelo Governo do Estado com urgência, rigor, transparência e publicidade máximas.
É clara a diferença de meios e métodos empregados pela polícia quando lida com a população das favelas e do “asfalto”, não apenas no Rio de Janeiro, mas em muitas outras cidades do Brasil. Conectas vê uma inegável discriminação do Poder Público com os pobres e os negros, tratados como “inimigos”, passíveis de punições coletivas e sujeitos tanto a ataques diretos e injustificáveis por parte da polícia quanto a previsíveis “danos colaterais”, chamados sem maior interesse pelo governo de “balas perdidas”, que, no dia de ontem fizeram novas vítimas.
Conectas se solidariza com todas as vítimas da ação e seus familiares, sem distinção, e soma-se à nota abaixo:
Nota contra a violência policial:
após protestos polícia realiza chacina na Maré
As favelas da Maré foram ocupadas por diferentes unidades da Polícia Militar do Estado do Rio (PMERJ), incluindo o Batalhão de Operações Especiais (Bope), com seu equipamento de guerra – caveirão, helicóptero e fuzis – ontem, dia 24 de junho. Tal ocupação militar aconteceu após manifestação realizada em Bonsucesso pela redução do valor da passagem de ônibus, como as inúmeras que vêm sendo realizadas por todo o país desde o dia 6 de junho. As ações da polícia levaram à morte de um morador na noite de segunda-feira. Um sargento do Bope também morreu na operação e a violência policial se intensificou, com mais nove pessoas assassinadas, numa clara demonstração de revide por parte do Estado.
Diversas manifestações estão ocorrendo em todo o país e intensamente na cidade do Rio de Janeiro. Nas última semanas a truculência policial se tornou regra e vivemos momentos de bairros sitiados e uma multidão massacrada na cidade. No ato do último dia 20, com cerca de 1 milhão de pessoas nas ruas, o poder público mobilizou a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), contando com o Choque, Ações com Cães (BAC), Cavalaria, além da Força Nacional. A ação foi de intensa violência contra a população, causando um clima de terror em diversos bairros da cidade.
Não admitimos que expressões legítimas da indignação popular sejam transformadas em argumento para incursões violentas e ocupações militares, seja sobre a massa que se manifesta pelas ruas da cidade, seja nos territórios de favelas e periferias!
Tal ocupação das favelas da Maré evidencia o lado mais perverso deste novo argumento utilizado pelos órgãos governamentais para darem continuidade às suas práticas históricas de gestão das favelas, de suas populações e da resistência popular. Sob a justificativa de repressão a um arrastão, a polícia mais uma vez usou força desmedida contra os moradores da Maré, uma prática rotineira para quem vive na favela. É importante observar que, quando o argumento de combate a um arrastão foi usado contra manifestantes na Barra da Tijuca, não houve a utilização de homens do Bope, nem assassinatos, mostrando claramente que há um tratamento diferenciado na favela e no “asfalto”.
Repudiamos a criminalização de todas as manifestações. Repudiamos a criminalização dos moradores de favelas e de seu território. Repudiamos a segregação histórica das populações de favela – negras/os e pobres – na cidade do Rio de Janeiro.
Não admitimos que execuções sumárias sejam noticiadas como resultado de confrontos armados entre policiais e traficantes. Não se trata de excessos, nem de uso desmedido da força enquanto exceção: as práticas policiais nesses territórios violam os direitos mais fundamentais e a violação do direito à vida também está incluída nessa forma de oprimir. Foi reconhecendo a gravidade destas práticas nos diferentes estados da federação que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) produziu, em dezembro de 2012, a resolução nº8, recomendando o fim da utilização de designações genéricas como “auto de resistência” e “resistência seguida de morte” e defendendo o registro de “morte decorrente de intervenção policial” ou, quando for o caso, “lesão corporal decorrente de intervenção policial”.
O governo federal também contribui com o que ocorre nas favelas cariocas, não apenas pela omissão na criação de políticas públicas, mas também por manter as tropas da Força Nacional de Segurança dentro da cidade, reproduzindo o mesmo modelo aplicado pelo governo estadual.
As/Os moradoras/es de favelas e toda a população têm o direito de se manifestar publicamente – mas pra isso precisam estar vivas/os. E o direito à vida continua sendo violado sistematicamente nos territórios de favelas e periferias do Rio de Janeiro e de outras cidades do país.
Exigimos a imediata desocupação das favelas da Maré pelas forças policiais que estão matando suas/seus moradoras/es com a justificativa das manifestações. Exigimos que seja garantido o direito à livre manifestação, à organização política e à ocupação dos espaços públicos. Exigimos a desmilitarização das polícias.
A nota está aberta para adesões de movimentos sociais e organizações através do e-mail contato@enpop.net.
Assinam a nota:
Arteiras Alimentação do Borel
Bloco Planta na Mente
Casa da Mulher Trabalhadora (CAMTRA)
Central de Movimentos Populares (CMP)
Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS)
Cidadania e Imagem-UERJ
Círculo Palmarino
Coletivo Antimanicomial Antiproibicionista Cultura Verde
Coletivo de Estudos sobre Violência e sociabilidade – CEVIS-UERJ
Coletivo das Lutas
Coletivo Tem Morador
Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
Conectas Direitos Humanos
Conselho Regional de Psicologia (CRP/RJ)
Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/RJ)
DCE-UFRJ
Deputado Federal Chico Alencar (PSOL/RJ)
DPQ
FASE
Fórum de Juventudes RJ
Fórum Social de Manguinhos
Frente de Resistência Popular da Zona Oeste
Grupo Conexão G
Grupo Eco Santa Marta
Grupo ÉFETA Complexo Alemão
Instituto Brasileiro De Análises Sociais E Econômicas (IBASE)
Instituto Búzios
Instituto de Formação Humana e Educação Popular (IFHEP)
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH)
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Justiça Global
Levante Popular da Juventude
Luta Pela Paz
Mandato do Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ)
Mandato do Deputado Federal Chico Alencar (PSOL/RJ)
Mandato do Vereador Renato Cinco (PSOL/RJ)
Mandato do Vereador Henrique Vieira (PSOL/Niterói)
Mariana Criola
Movimento pela Legalização da Maconha
Movimento DCE Vivo (UFF)
Nós Não Vamos Pagar Nada
Núcleo Piratininga de Comunicação
Núcleo de Direitos Humanos da PUC
Núcleo Socialista de Campo Grande
Ocupa Alemão
Ocupa Borel
PACS
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Pré-Vestibular Comunitário de Nova Brasília Complexo Alemão
Raízes em Movimento do Complexo do Alemão
Rede FALE RJ
Rede de Instituições do Borel
Redes e Movimentos da Maré
União da Juventude Comunista (UJC)
Universidade Nômade
Revista Vírus Planetário