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09/08/2022

Como proteger os povos indígenas de recente contato e isolados

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 09 de agosto, conheça a legislação que protege grupos de recente contato e isolados e as ameaças que enfrentam

Área desmatada na Terra Indígena Cachoeira Seca, onde vivem os Arara (Foto: Juan Doblas-ISA)
Área desmatada na Terra Indígena Cachoeira Seca, onde vivem os Arara (Foto: Juan Doblas-ISA)

Garantir a proteção dos indígenas é um dever constitucional do Estado brasileiro. Políticas públicas universalistas, no entanto, não são suficientes diante da diversidade dos povos originários. Entre os grupos que merecem ações específicas para terem seus direitos garantidos e seus modos de vida assegurados estão os povos indígenas de recente contato e os isolados. 

Ainda que exista divergência na definição destes termos, oficialmente, a Fundação Nacional do Índio (Funai), afirma que indígenas de recente contato são aqueles povos ou grupos que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias, e que definem sua relação com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia. 

Já o termo indígenas isolados é utilizado para se referir a grupos ou povos sem relação permanente com a sociedade nacional. Essa relação também não existe ou é pequena com outros grupos indígenas ou não indígenas. Ainda de acordo com dados oficiais da Funai, existem 114 grupos isolados no Brasil, a grande maioria na Amazônia Legal. 

Mudança de tratamento

O modo de tratamento a tais grupos avançou nas últimas décadas, graças à luta de indígenas, indigenistas e de organizações aliadas. O Estatuto do Índio de 1973 apresentava uma abordagem de que era preciso integrar os indígenas à sociedade ocidental, chamada também de nacional. Entendia-se que o contato forçado era necessário para a proteção dos indígenas. Essa ideia foi superada em 1987 quando entrou em vigor a política de respeito aos modos de vida destes povos, que se ampliou a partir de 2009 com a nova estrutura da Funai, sustentada na Constituição Federal, que em seu artigo 231 assegura o direito dos povos indígenas em manter suas organizações sociais, costumes e culturas. Assim, o Brasil montou uma estrutura relativamente eficiente para tratar desses grupos indígenas, trazendo abordagens social, econômica e sanitária para respeitar a vida dessas pessoas.  

Ratificado pelo Brasil em 2003, a Convenção 169 da OIT reconhece plenamente os direitos ao território e aos bens naturais dos povos originários e tradicionais. Nesse sentido, também é um instrumento de defesa dos povos indígenas de recente contato e isolados, já que o tratado internacional reconhece o direito à terra e aos bens naturais. 

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Para o indigenista Antenor Vaz, um dos principais pontos quando se fala nesses grupos é o direito à autodeterminação. É a partir do reconhecimento deste direito que os povos originários terão seus territórios, bem como suas culturas e costumes respeitados. Ele também ressalta que a proteção desses povos deve ser integral. “Esses povos têm memória imunológica para doenças tropicais, mas não para outras, como a gripe”. Assim, a política pública deve considerar a vulnerabilidade socio-imunológica para garantir a proteção. Vaz foi um dos participantes da atividade autogestionada sobre os casos das Terras Indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e dos Arara-Kowit da Terra Indígena Cachoeira Seca, realizada durante o 10º FOSPA (Fórum Social Panamazônico), em Belém (PA). A atividade foi organizada por por Conectas, Associação KOWIT, Associação Jupaú, GTI PIACI (Grupo de Trabalho Internacional de Proteção de Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Contato Inicial), Instituto Maíra e Kanindé (Associação de Defesa Etnoambiental). 

A TI Cachoeira Seca é a casa do povo indígena de recente contato Arara, que ao longo dos anos foi impactado por grandes empreendimentos, como a Transamazônica e a Usina de Belo Monte. Nos últimos anos, o desmatamento para venda de madeira ilegal é uma das principais ameaças a esse povo. Em Rondônia, a TI  Uru Eu Wau Wau é habitada pelos povos Uru Eu Wau Wau, Amondawa, Oro Win e Juma e os povos em situação de isolamento voluntário. A chegada de invasores na área para exploração da madeira e da terra também ameaça esses povos.  

Política pública sob ameaça

De acordo com organizações indigenistas e indígenas, as políticas públicas de proteção integral aos indígenas de recente contato e isolados têm sido alvo de desmonte do governo federal nos últimos. Na avaliação de Júlia Mello Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, muitos interesses econômicos de exploração de territórios indígenas estão tendo espaço no atual governo. “Existem muitos casos de violações sistemáticas dos direitos humanos dos povos indígenas, incluindo os de recente contato e os isolados, por empresas e por agentes que promovem atividades econômicas ilegais, que se intensificaram nos últimos anos.”

Alerta de Bruno Pereira

Um exemplo disso é apresentado pela reportagem da Repórter Brasil que demonstrou, em junho de 2022, como a Coordenação-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai ignorou evidências coletadas em campo sobre a possível existência de um povo sem contato na terra indígena Ituna Itatá, no sul do Pará, colocando em risco a proteção do território. Nesse caso, a Funai poderia ter garantido a proteção dos isolados por meio da Restrição de Uso, instrumento que protege o território contra atividades econômicas que podem gerar o contato com não indígenas.   

Ao jornal Folha de S.Paulo, o indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho de 2022, alertou que esse é um dos territórios de isolados que são alvo “de interesses fundiários e minerários monstruosos. São terras relativamente grandes e que valem milhões e milhões de reais”. A entrevista foi publicada em 18 de junho, após sua morte. O último cargo de Pereira na Funai foi justamente no órgão que trata dos indígenas isolados.

Antes disso, em 2021, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) lançou uma nota alertando para o fato de que “nas cinco terras indígenas mais desmatadas (TIs Munduruku, Apyterewa, Ituna-Itatá, Trincheira Bacajá e Cachoeira Seca) em 2020, há presença dos povos isolados ou de recente contato e que em 2021 também foram registradas altas taxas de desmatamento nas TIs Piripkura e Uru Eu Wau Wau, áreas onde também vivem isolados”.

A nota segue dizendo que “diante do gradual enfraquecimento da política indigenista da Funai, e do fortalecimento da pauta governamental contra nossos direitos, estamos aperfeiçoando cada vez mais nossas iniciativas autônomas e nossas estratégias para a proteção de nossos territórios, e para o bem viver dos povos indígenas isolados”. 

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