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31/08/2021

Como minirreforma trabalhista afeta combate a trabalho escravo

Em tramitação no Congresso, MP 1045 chega ao Senado com emendas que prejudicam a fiscalização contra irregularidades trabalhistas

Foto: MPT/Reprodução
Foto: MPT/Reprodução

O Senado Federal deve votar nesta quarta-feira (1) a MP (Medida Provisória) 1045, que flexibiliza a fiscalização trabalhista e a punição de casos de trabalho análogo ao escravo. A medida também permite, entre outras coisas, cortes de salários e contratos sem direitos trabalhistas. Para não perder a validade, o texto precisa ser votado no Senado até 7 de setembro.

Editada pelo Planalto para criar o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a minirreforma trabalhista é defendida por aliados do governo federal como um instrumento para ajudar empregadores durante a pandemia de Covid-19. Na prática, ela reduz direitos dos trabalhadores.

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No Congresso, os deputados inseriram diversos jabutis na medida. Entre as emendas estranhas ao tema central da MP estão as mudanças na fiscalização trabalhista. Pelo texto aprovado,  o empregador só poderá ser multado por infringir a lei trabalhista após duas visitas dos auditores-fiscais do trabalho. De acordo com reportagem da Repórter Brasil, a chamada dupla-visita é válida mesmo “para situações graves de violações, como infrações às normas de saúde e segurança (que impõe aos trabalhadores riscos de doenças e acidentes).” 

O texto afirma que “irregularidades diretamente relacionadas à configuração da situação” de escravidão não encaixariam neste critério de dupla visita. Contudo, nota técnica divulgada por membros do MPT (Ministério Público do Trabalho) observa que este ponto fere a Constituição Federal porque “sendo o vínculo de trabalho escravo resultado de crime do empregador, não há nenhuma irregularidade trabalhista atinente à vítima que não esteja diretamente relacionada com essa prática delituosa”.

Prejuízos à fiscalização 

A MP também prevê que “caso detectadas irregularidades reiteradas ou elevados níveis de acidentalidade ou adoecimentos ocupacionais em determinado setor econômico ou região geográfica”, a inspeção do trabalho deverá realizar “visitas técnicas de instrução, previamente agendadas” e, nestas situações, os empregadores não poderão ser multados. 

Ainda de acordo com os procuradores do trabalho, este ponto causa prejuízo à efetividade da Inspeção do Trabalho, “o que pode resultar em estímulo à prática de ilicitudes e incremento de acidentes, mortes e adoecimentos nas relações laborais”.

Para Fernanda Drummond, assessora do programa Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, se estas medidas forem aprovadas, os casos de trabalho infantil e análogo ao escravo podem aumentar no Brasil. “As mudanças podem incentivar muitos empregadores a imporem práticas degradantes aos trabalhadores na expectativa de que dificilmente serão punidos. Nesse cenário, sabemos que as pessoas negras e pobres serão as principais vítimas”. 

Entre 1995 e 2020, mais de 55 mil pessoas foram libertadas do trabalho análogo ao escravo no Brasil, sendo a agropecuária, construção civil e confecção os setores com mais casos registrados, de acordo com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia.

Falta de participação social

Em carta ao presidente do Senado Rodrigo Pacheco, organizações da sociedade civil afirmaram que a MP “é um ataque a direitos fundamentais da classe trabalhadora e abre brechas para a piora das condições de trabalho […] e para o enfraquecimento de importantes mecanismos de proteção trabalhista existentes hoje em nosso ordenamento”. 

Segundo ainda as signatárias, o texto foi aprovado sem a participação popular, principalmente de representações dos trabalhadores e órgãos que combatem irregularidades trabalhistas. Portanto, o Congresso quer fazer uma mudança estrutural sem amplo debate com a sociedade, especialmente com os representantes dos trabalhadores. A carta é assinada pela Conectas, Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais, Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais, Oxfam Brasil, entre outras entidades. 

As tentativas de desmontar a estrutura de combate ao trabalho escravo no Brasil já foram registradas em relatório da ONU em 2020. De acordo com o documento intitulado “Impacto da pandemia de coronavírus sobre as formas de trabalho escravo contemporâneo” (em tradução livre), o GIME (Grupo de Inspeção Móvel Especial), órgão ligado ao Ministério da Economia e encarregado de investigar denúncias de trabalho forçado, “reduziu significativamente suas operações, enquanto a vulnerabilidade à exploração e ao abuso do trabalho tem aumentado”.

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