O mesmo lugar em que presos foram degolados também foi um recordista de aprovações no Enem para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL), em 2018. Das 120 inscrições realizadas no antigo Complexo Penitenciário de Pedrinhas — hoje Complexo Penitenciário São Luís —, 69 foram aprovadas. A ampliação do atendimento à educação e premiações em concursos de redação foram algumas das medidas adotadas para diminuir os problemas do lugar, que ficou marcado como o símbolo da violência do sistema penitenciário.
Em uma sociedade na qual 57% da população defende a afirmação “bandido bom é bandido morto”, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, métodos de ressocialização soam como regalias. Não à toa, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2015, mostrou que um a cada quatro ex-condenados reincide no crime num prazo de cinco anos, uma taxa de 24,4%. Medidas voltadas à educação, como em Pedrinhas, mostram que é possível diminuir essa taxa, ao fornecer condições dos presos voltarem ao convívio social.
Segundo o Monitor da Violência — uma parceria entre o G1, o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública — o Brasil tem hoje 92.945 presos que estudam, além de 139.511 que exercem algum tipo de atividade laboral, considerando o total de 737.892 pessoas privadas de liberdade.
No Piauí, estado com a maior porcentagem de presos estudando (40%), a mudança se deu através de uma parceria com a Secretaria da Educação, que grava aulas, faz sessões por teleconferência e oferece ainda um programa de leitura, o qual ajuda na remissão de penas. O Sergipe, que tem o maior índice de presos trabalhando (37,2%), viu seu sistema melhorar com a criação de uma coordenação autônoma focada na reinserção.
Mas nem sempre os governos estão atentos a medidas do tipo. Nesses casos, é o trabalho de fiscalização e acompanhamento das ONGs que supre a defasagem do poder público.
“A articulação entre sociedade civil e o Estado brasileiro é essencial para alcançar resultados positivos”, afirma o advogado da Conectas Henrique Apolinário, membro do CNPCT (Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura). “Familiares de pessoas presas, assim como pessoas que passaram pelo cárcere, se organizam nos estados em grupos de interesse comum, ainda muito marginalizados.”
Saída para o caos
Vestindo apenas cueca, um preso passa lama no corpo do outro. “Eu também não gosto que me toquem, mas às vezes é necessário para perder a timidez. Vai ser bom, você vai ter uma experiência diferente”, diz um dos presos que participa do ritual, na série documental “Por Dentro das Prisões Mais Severas do Mundo”, da Netflix. “Aqui não tem facção, nesse momento é todo mundo igual, ninguém é melhor do que ninguém”, ele fala, antes de partir para uma dança circular com outros homens, ao som de tambores. O processo termina com um banho coletivo em volta de uma grande caixa d’água, em que os presos parecem limpar não só o corpo, mas também a mente.
O ritual com lama é uma das terapias alternativas oferecidas pela ONG Acuda às pessoas presas na Penitenciária Estadual Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho (RO). Além dessa atividade, a Acuda oferece técnicas de meditação, reiki e até cerimônias com o chá de ayahuasca. Apesar de parecer pouco tradicional, a ideia do método de ressocialização da ONG é mudar comportamentos, atuando no que os apenados têm de mais profundo: a mentalidade.
É a mesma ideia do programa Prison SMART da organização Arte de Viver, que usa técnicas de respiração para eliminar stress e traumas, ajudando no equilíbrio emocional dos presos. “Se as pessoas adoecem, nós levamos para o hospital e damos os remédios para melhorarem. Se o comportamento das pessoas está doente, nós levamos para a prisão, mas esquecemos dos remédios”, afirma o fundador Sri Sri Ravi Shankar, no site da instituição.
Já ONGs como a Conectas e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) trabalham na fiscalização e na promoção dos direitos humanos básicos. Apesar de rejeitar a ideia de aprisionamento, além do monitoramento, o ITCC se dedica a fornecer informações em manuais que circulam dentro das unidades prisionais.
“É essencial que essas pessoas contem suas histórias para a sociedade e contribuam para a construção de políticas públicas efetivas. Ao mesmo tempo, a luta pelo desencarceramento é constante e diversa em cada região do país, necessitando de estratégias locais”, acredita o advogado Henrique Apolinário.
A verdadeira opção à superlotação das cadeias e consequente melhora de reinserção dos presos são as penas alternativas. Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu regras para diminuir o encarceramento no país, com diretrizes que os juízes devem seguir para aplicar penas alternativas, como multas, serviços comunitários e cursos.
“A maior parte das pessoas presas está detida por crimes patrimoniais ou crimes praticados sem violência. São pessoas que poderiam ser responsabilizadas de maneira mais eficiente e menos custosa”, disse o ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ. Em 2015, segundo levantamento do próprio CNJ, só três em cada dez condenados receberam penas alternativas. Para o ministro, as novas diretrizes representam “uma saída para o caos”.
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