A proteção aos refugiados se fundamenta em compromissos internacionais assumidos por 148 países desde 1951. O Brasil comprometeu-se com o acolhimento de pessoas refugiadas em 1960, quando ratificou a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados. Em 1997, as principais disposições deste tratado foram reproduzidas e ampliadas na Lei de Refúgio (Lei n. 9.474/1997), que criou estruturas governamentais para tratar do tema de forma permanente na estrutura do Estado.
O refúgio é um tipo de migração forçada. Para salvar sua vida ou evitar violações de seus direitos, a pessoa é obrigada a deixar seu país em busca de proteção em outro local. A motivação pode ser perseguição ou violação de direitos motivada por elementos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertencimento a determinado grupo social. As pessoas também podem se tornar refugiadas por conta de conflitos armados e guerras. No mundo, 27,1 milhões de pessoas vivem nesta condição, segundo a ACNUR (Agência da ONU para Refugiados).
Apesar das normas internacionais e da Lei de Refúgio, vigente no Brasil há 25 anos, desde março de 2020, o governo federal publicou uma sequência de 38 portarias que impõem restrições à entrada no país, sob o pretexto de conter a disseminação da covid-19. As medidas demonstram diferença de tratamento em relação aos países de origem e meios de transporte, violando os direitos de igualdade e não discriminação. Como demonstram organizações que trabalham com direitos humanos, refúgio e migração, estas portarias não resolvem o problema sanitário e atingem a vida de quem solicita refúgio no país.
As pessoas que tentam entrar pelo Brasil via fronteira terrestre, portanto, foram as mais afetadas por estas portarias. Dentro deste grupo, destaca-se a situação dos venezuelanos – são 4,4 milhões de deslocados fora do país em 2022 – que tentam ingressar no território brasileiro pela fronteira de Roraima. Após visitar os municípios roraimense de Boa Vista e Pacaraima, em novembro de 2021, o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) publicou um relatório dizendo que a situação das pessoas venezuelanas no estado é preocupante. O conselho registrou milhares de pessoas em situação de rua e em outros tipos de vulnerabilidade no momento da visita.
Neste ano, organizações da sociedade civil brasileira enviaram um relatório para a RPU (Revisão Periódica Universal) da ONU demonstrando a situação das pessoas refugiadas no Brasil e recomendando ações para reduzir os problemas. O documento é assinado pelo grupo de trabalho de Migração da RAC (Rede de Advocacy Colaborativo), iniciativa que agrega Conectas, Cáritas Brasileira, Cáritas São Paulo, Cáritas Rio de Janeiro, Cáritas Paraná, Cáritas Regional Nordeste 2, Centro de Atendimento ao Migrante, Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante, Defensoria Pública da União, Instituto Migrações e Direitos Humanos, Migraidh e Missão Paz.
Em novembro de 2022, o Brasil passa por sua quarta revisão desde que a RPU foi criada, em 2006. Nessa ocasião, os outros Estados-membros fazem recomendações ao país tendo como base três documentos: o que o Brasil diz sobre si mesmo; os problemas apontados pela sociedade civil; e o compilado de relatórios de agências da ONU sobre os direitos humanos no Brasil.
O relatório do GT afirma que é preciso remover sanções ilegais, especialmente de deportações e repatriações imediatas e a inabilitação do pedido de refúgio de portarias publicadas pelo Poder Executivo e não emitir novos atos normativos com estas previsões. O documento da sociedade civil também recomenda ao governo aumentar a transparência nas representações consulares brasileiras e melhorar a comunicação com solicitantes de vistos de acolhida humanitária e de reunião familiar. Além disso, lista como necessário aumentar as capacidades de recursos humanos e estrutura para dar assistência a mais pessoas nas Embaixadas brasileiras e outras representações consulares.
De acordo com as entidades, é preciso aprimorar o treinamento de agentes da Polícia Federal, em prol de um serviço humanizado para a população migrante. Em busca de acolher os refugiados, o grupo da RAC recomenda que o governo crie abrigos por todo o país, com estrutura adequada para as necessidades específicas de cada população, em relação à religião, alimentação, cultura e outros pontos.
As entidades também levantam recomendações a respeito da Operação Acolhida. Criada em 2018, por meio de uma parceria entre o governo federal, agências internacionais e organizações da sociedade civil, trata-se de uma força tarefa logística humanitária, conduzida pelo Exército Brasileiro com o objetivo de reduzir os impactos sociais no estado de Roraima, porta de entrada para a maioria dos migrantes e refugiados venezuelanos. Além de dar apoio a quem chega ao Brasil, este serviço também é responsável por conduzir processos de interiorização de refugiados no país. Nesse sentido, as entidades recomendam, entre outras coisas, que o governo monitore as condições de pessoas que foram interiorizadas, especialmente pelas vias institucionais, sociais e com vagas de emprego sinalizadas. Também recomendam mais transparência em relação aos protocolos de interiorização, promoção da inspeção da modalidade de interiorização via vaga de emprego sinalizada, que deverá ser monitorada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), de modo a prevenir casos de trabalho análogo ao de escravo. Além disso, pedemque sejam respeitados os direitos da população indígena migrante, especialmente o direito à consulta livre, prévia e informada, de acordo com a Convenção 169 da OIT, e que sejam garantidas a ela soluções duradouras que incluam uma habitação adequada à sua cultura.