Voltar

Como ações de Augusto Aras ameaçam o trabalho das Defensorias Públicas na defesa das pessoas mais vulneráveis

Pedidos do procurador-geral da República no STF dificultam acesso da Defensoria a documentos públicos

O procurador-geral da República, Augusto Aras, durante sessão do STF. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil O procurador-geral da República, Augusto Aras, durante sessão do STF. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Depois de tomar conhecimento sobre o caso de uma pessoa presa por furto insignificante no Centro de Detenção Provisória de Itatinga, no interior paulista, a DPESP (Defensoria Pública do Estado de São Paulo)  solicitou à unidade uma lista com todas as pessoas que estivessem presas naquela unidade pelo mesmo crime, no qual o valor do bem furtado é considerado inexpressivo. Em casos como este, as pessoas acusadas podem responder em liberdade ou nem ao menos serem indiciadas

Foi assim que, por meio de pedidos de habeas corpus, a justiça determinou a soltura de sete pessoas no começo de novembro de 2021. Entre elas, estava um homem que furtou uma cadeira de rodas usada, outro que furtou um alicate de R$19,90 e um terceiro que furtou R$10 em fios velhos. Em um destes casos, envolvendo o furto de uma grade de ferro, o  ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), reiterou a decisão de liberdade.

A solicitação do defensor só pôde ser feita por conta da prerrogativa de requisição de documentos a órgãos públicos, que antecedeu o pedido de liberdade. É o acesso a informações desse tipo que o procurador-geral da República, Augusto Aras, pretende barrar.

Em maio de 2021, Aras protocolou 23 ações no STF que alegam a inconstitucionalidade do poder das Defensorias no país, pretendendo a derrubada de uma legislação federal de 1994 e outras normas estaduais que, na verdade, são leis orgânicas basilares à existência das Defensorias. A partir do dia 11 de fevereiro, parte destas ações devem começar a ser analisadas pelo plenário virtual do STF.

A importância do poder de requisição

Foi graças ao chamado poder de requisição que, em junho do ano passado, o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da DPESP conseguiu denunciar o Brasil à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) devido à ausência de respostas a crimes de tortura que ocorreram na unidade Cedro da Fundação Casa, no Complexo Raposo Tavares, em São Paulo (SP).

Em petição à CIDH, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou 147 adolescentes e jovens, que estavam sob tutela do Estado entre 2015 e 2017, como alvos de violência física, isolamento e ameaças. No documento, constam relatos e fotos de agressões com cintos, correntes, cabos de vassoura, tijolos e cadeiras.

De acordo com Raissa Belintani, advogada e coordenadora do programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas, um dos argumentos da PGR é de que o poder de requisição de documentos a órgãos públicos quebra o “equilíbrio da relação processual” e fere a “paridade de armas” entre defensores públicos e advogados.

“A prerrogativa de requisição é uma das poucas ferramentas que a lei concede para equilibrar a relação processual em favor das pessoas assistidas pela defensoria. Ela instrumentaliza a defesa dos interesses jurídicos de quem está em vulnerabilidade, garantindo acesso a uma documentação que, de outra forma, não poderia ser obtida”, afirma Belintani.

Desigualdade na Justiça 

“Limitar a atuação das defensorias é inconstitucional e aumentará ainda mais a desigualdade no sistema de Justiça. As defensorias já trabalham acima de sua capacidade. A perda desta prerrogativa traria impacto negativo imensurável para o acesso à Justiça de uma população que, em sua maioria, é formada por pessoas negras e pobres que não têm recursos para pagar pelo legítimo direito à defesa”, continua.

A advogada lembra ainda que o poder de requisição evita a judicialização, algo positivo em um contexto de sobrecarga do sistema de Justiça. Além disso, as requisições das defensorias não estão, de nenhuma maneira, imunes ao controle jurisdicional em casos de eventuais abusos.

ADI 6852

A Conectas Direitos Humanos, Departamento Jurídico XI de Agosto, Amparar, Instituto Peregum e UNEAFRO Brasil se manifestaram perante o  STF como amicus curiae na ADI 6852 — um dos casos apresentados pela PGR. No pedido de ingresso, as entidades ressaltam que o poder de requisição das defensorias ajuda a suprir a deficiência de acesso à informação das pessoas economicamente vulneráveis.

“As  pessoas  defendidas  pela  Defensoria Pública são sujeitadas à pobreza e à falta de ensino adequado, pertencem a grupos hipossuficientes econômicos, jurídicos ou organizacionais, o que torna ainda mais necessário investir na ampliação do alcance da rede de proteção decorrente da atuação coletiva da instituição”, afirmam.

 


Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas