Por 22 votos a sete, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta sexta-feira (17), o relatório do Projeto de Lei 1595/2019, que é uma proposta à parte à Lei Antiterrorista de 2016. Com justificativas contraterroristas, o texto apresenta mecanismos que podem criminalizar movimentos sociais e outras organizações, vigilância inconstitucional e isenção de agentes públicos que cometerem crimes.
O projeto é uma reedição de uma proposta apresentada em 2016 pelo presidente Jair Bolsonaro, então deputado federal. Agora, o texto precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado.
Para Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, o projeto tem cunho autoritário, permite o uso de ferramentas repressivas , utilizadas de forma secreta, sem controle prévio e transparência para criminalização de movimentos sociais e outras organizações críticas ou opositoras ao governo federal.
“A ideia de combate ao terrorismo abre espaço para diversas medidas autoritárias. Além disso, o projeto cria estrutura de repressão que agirá de forma secreta, com forças de segurança e inteligência de todo país, sob o comando do governo federal, afastando a possibilidade de controle social e dificultando a responsabilização por atos abusivos ”, afirma Sampaio.
Em nota técnica sobre o projeto de lei, Conectas, Rede Justiça Criminal e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais afirmam que “nesta proposta, não há qualquer elemento que diferencie o ‘ato terrorista’ de crimes comuns, pois os únicos requisitos para a sua configuração são resultados genéricos como ‘perigo para a vida humana’ e ‘afetar a definição de políticas públicas’, que sequer precisam se concretizar, uma vez que basta que o agente ‘aparente ter a intenção’ de causá-los”.
A ONU também mostrou preocupação com o avanço desta proposta. “Meu escritório está preocupado com a nova proposta de legislação antiterrorista no Brasil, que inclui disposições excessivamente vagas e amplas que apresentam riscos de abuso, particularmente contra ativistas sociais e defensores dos direitos humano”, afirmou, na segunda-feira (13), a Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet.
O projeto trata da criação do Sistema Nacional Contraterrorista e da Política Nacional Contraterrorista, que deverão ser instituídos pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Estes mecanismos terão como finalidade coordenar o preparo e emprego das forças militares, policiais e das unidades de inteligência nas ações contraterroristas e fornecerão informações para possíveis decretos de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio em caso de “ações repressivas em território nacional”. Na prática, o projeto cria uma “polícia política” composta pelas Forças Armadas, Polícia Federal e Abin (Agência Brasileira de Inteligência), com controle direto do presidente da república, que passará a ter acesso amplo a dados privados e informações privilegiadas de todos os cidadãos, especialmente de opositores ao seu governo.
De acordo com Sampaio, este ponto é ainda mais grave se considerar o caráter autoritário do atual governo. Ele afirma que a intensificação do uso da Lei de Segurança Nacional, revogada no início de setembro pelo Congresso, é uma amostra de que Jair Bolsonaro tem interesse em espionar e reprimir opositores utilizando legislações que fogem dos valores democráticos.
A lei pode ser aplicada contra ações que “sejam ofensivas para a vida humana ou efetivamente destrutivas em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave”. Assim, protestos que tomam o controle de um serviço público ou ocupações de espaço públicos para reivindicar direitos podem ser enquadrados como terroristas, imposto sanções graves e desproporcionais.
O texto diz que caso o agente público, em legítima defesa, provoque a morte ou ferimento de pessoas em uma ação contraterrorista, ele poderá ser isento de responsabilização. E também que “o estado de necessidade ou no contexto de inexigibilidade de conduta diversa o infiltrado que pratique condutas tipificadas como crime quando a situação vivenciada o impuser, especialmente, se caracterizado risco para sua própria vida.”
Segundo Sampaio, “trata-se, na prática, da legalização do excludente de ilicitude para agentes de segurança, tirando a possibilidade de investigar possíveis erros e abusos cometidos por militares e policiais, o que pode tornar as forças públicas de segurança ainda mais violentas, inclusive em manifestações públicas.”
O projeto autoriza a investigação e punição dos chamados “atos preparatórios”, ou seja, cria formas de intervenção policial sem ter a concretude do ato e, sendo assim, meras intenções poderão se tornar crimes. A nota técnica das entidades afirma que isso “inverte a tradicional dogmática do direito penal, que só permite a punição dos atos executórios (o que inclui a tentativa)”. Dada a imprecisão na definição de atos terroristas no texto do projeto, organizadores de manifestações e protestos poderão ser investigados por agentes secretos e, eventualmente, punidos, de acordo com uma lei contraterrorista. Para realizar as investigações, será possível utilizar de modo indiscriminado de dados privados das pessoas consideradas suspeitas.