Uma nova portaria interministerial publicada nesta quinta-feira (24) pelo governo federal restabelece a possibilidade de que migrantes venezuelanos sejam acolhidos no Brasil e pode abrir caminho para a regularização migratória daqueles que entraram no país durante a pandemia. A medida, no entanto, impõe limites segundo os “meios disponíveis” de acolhimento destas pessoas.
De acordo com Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, é positivo que o governo finalmente retire as restrições discriminatórias contra migrantes e refugiados venezuelanos frente a outras nacionalidades. No entanto, para ela, a portaria ainda traz enorme insegurança jurídica e insiste em inconstitucionalidades.
“Ao condicionar o acolhimento e regularização migratória de venezuelanos aos ‘meios disponíveis’, o governo cria uma enorme insegurança jurídica e abre brechas para criar cotas migratórias, o que viola os princípios da lei de migração. Quem vai decidir quais os meios disponíveis? E como isso será informado aos agentes de controle migratório e à população? ”, questiona Asano. “O migrante e refugiado que chega em condição vulnerável nas fronteiras continuará sem saber se será aceito e acolhido humanitariamente ou deportado de maneira aleatória e sumária”, afirma.
“Na essência, esta portaria continua usando a pandemia como desculpa para uma postura discriminatória e violadora da legislação brasileira sobre migração e refúgio”, declara Asano. “Enquanto turistas podem ingressar pela via aeroportuária, os migrantes e refugiados mais vulneráveis, que geralmente ingressam no país pela via terrestre porque não têm recursos para a passagem de avião, seguem sendo barrados nas fronteiras”, afirma.
A nova portaria mantém as penas inconstitucionais de inabilitação do pedido de refúgio e deportação imediata para quem ingressar por fronteiras terrestres e não se enquadrar na ambígua e vaga exceção criada pelo novo documento.
A possibilidade de acolhimento e regularização migratória de venezuelanos, no entanto, continua sendo exceção. A portaria mantém as fronteiras terrestres fechadas, com exceção do Paraguai. A permissão de acolhimentode refugiados venezuelanos foi estabelecida a partir dos termos da Lei 13.684/18, que estabelece medidas de assistência emergencial para atender pessoas em situação de vulnerabilidade que migram em razão de crise humanitária em seus países, como é o caso de venezuelanos.
“A nova portaria opera na lógica da aplicação excepcional e aleatória. Um haitiano que chegue por Roraima não poderá ser contemplado. Mesmo aos venezuelanos a lógica é a da exceção, quando deveria ser a regra, uma vez que o Conare [Comitê Nacional para Refugiados] já determinou que venezuelanos devem ser reconhecidos como refugiados por virem de uma grave e generalizada situação de violação de direitos humanos”, conclui Asano.
Além de nacionais da Venezuela, os haitianos são outro grupo que normalmente ingressam no país pelas fronteiras terrestres em busca de acolhimento. Um dos mais pobres das Américas, o país passou por uma violenta guerra civil e por um terremoto que devastou seu território e provocou o êxodo de milhares de pessoas. De acordo com o Conare, os haitianos são atualmente a segunda nacionalidade com maior número de pedidos de refúgio no Brasil.