Apesar de a Constituição de 1988 determinar que os povos indígenas têm direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, as ameaças a estes direitos são constantes. Está em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) a tese do Marco Temporal, segundo a qual só podem ser demarcadas terras que estavam ocupadas no momento da promulgação da Constituição. Em outra frente, o Congresso Nacional debate o PL (projeto de lei) 490, que prevê alterações nas regras de demarcação.
Enquanto os indígenas se mobilizam pela defesa de seus direitos, alguns mitos deturpam o debate. A Conectas comenta alguns deles:
A VERDADE: Parte significativa das queimadas e do desmatamento na Amazônia está relacionada à agropecuária, especialmente grandes e médios fazendeiros, de acordo com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os indígenas, na verdade, são grandes protetores da floresta.
De acordo com o último levantamento do MapBiomas, as terras indígenas são grandes responsáveis por garantir a proteção dos biomas brasileiros. Somente 1,6% de todo desmatamento que aconteceu nos últimos trinta anos foi registrado nessas áreas (territórios demarcados ou aguardando demarcação). Por outro lado, as áreas privadas foram responsáveis por 68% da perda de vegetação nativa.
A conservação das grandes extensões de vegetação das Terras Indígenas garantem a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação climática e do regime de chuvas, a manutenção dos mananciais de água, a estabilidade e fertilidade do solo, controle de pragas e doenças, entre outros. Além de benéficas para a vida na Terra, essas funções também são essenciais à agricultura e à pecuária, e garantem também a manutenção da indústria e do bem estar nas cidades.
A VERDADE: A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição de 1988, ainda assim os povos originários enfrentam dificuldades para ter seus direitos reconhecidos.
De acordo com o IBGE, as terras destinadas à agropecuária ocupavam 41% do território nacional em 2017, com tamanho médio de 69 hectares por dono. Enquanto isso, os indígenas — que tem uma população de 896.917, de acordo com o último Censo de 2010 — possuem demarcados apenas 13,8% de todo território nacional. A média mundial é 15%, segundo pesquisa publicada na revista “Nature Sustainability”.
A VERDADE: No modelo ocidental, a ideia de desenvolvimento está, no geral, atrelada ao crescimento econômico e à exploração. Nesse sentido, a natureza passa a ser encarada como um mero recurso a ser aproveitado. Nada disso faz sentido para as culturas indígenas, as quais muitas mantêm uma relação de parentesco com a terra, tendo outra concepção de desenvolvimento. “A ideia de nós, humanos, nos deslocarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos”, escreveu Ailton Krenak.
Assim, antes de pensar que os indígenas “atrasam o desenvolvimento do país”, é preciso questionar sobre qual tipo de desenvolvimento se está falando. Esse que consome “recursos” é o mesmo que coloca em risco o futuro do planeta com, por exemplo, aumento da temperatura a níveis nunca antes vistos, de acordo com o último relatório da ONU sobre o clima.
A VERDADE: Enquanto as terras indígenas ocupam 13,8% do território nacional, as propriedades rurais ocupam 41%, de acordo com dados de 2019 do IBGE, número que cresceu 5,8%, em relação ao levantamento de 2006.
“São 421 TIs já homologadas, que totalizam 1,066 milhão de km² e 303 em fase de demarcação, ou 110 mil km². Nelas vivem mais de 600 mil pessoas. Enquanto isso, 51,2 mil latifúndios, ou 1% das propriedades, ocupam 20% do Brasil. São dados do Diário Oficial da União, do IBGE, da Funai, do Instituto Socioambiental e do projeto MapBiomas”, afirma Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em artigo publicado na Folha de S. Paulo.
A VERDADE: Os indígenas são, acima de tudo, brasileiros. Portanto, seus direitos são garantidos pela Constituição Federal e por normas internacionais das quais o Brasil é signatário. No entanto, estes povos possuem culturas, tradições e usos de seus territórios que podem ser distintos da chamada cultura ocidental. Isso não os torna cidadãos de segunda categoria ou selvagens que precisam ser integrados ao país. Essas ideias reforçam um estereótipo colonial e racista. Além disso, existem dezenas de grupos de indígenas isolados que, pressionados pelo avanço de madeireiras, garimpeiros e pelo agronegócio, correm risco de terem seus direitos violados.