Atualizado em 26 de janeiro de 2024
Há cinco anos, em 25 de janeiro de 2019, a barragem B1 da mineradora Vale, localizada na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), entrou em colapso. A estrutura não suportou o peso de 12 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos. Na hora do rompimento, 427 pessoas trabalhavam no local.
Ao todo, 272 pessoas morreram, sendo dois bebês ainda na barriga de suas mães. Entre as vítimas estão trabalhadores, turistas e moradores da região. A água suja e contaminada que desceu pelo Rio Paraopebas afetou 26 municípios, devastando comunidades, a fauna e a flora da região. Um impacto socioambiental gigantesco.
Um estudo da Universidade Politécnica da Catalunha, divulgado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2021, apontou que a causa do rompimento foi a liquefação dos rejeitos durante uma perfuração na barragem. Durante o procedimento, os rejeitos sólidos passaram a se comportar como fluídos e sobrecarregaram a estrutura.
Apesar da dimensão deste crime socioambiental, familiares das pessoas que perderam suas vidas no rompimento da barragem de Brumadinho ainda esperam por justiça.
Dois anos após o rompimento da barragem, em fevereiro de 2021, foi selado um acordo de reparação. A Vale concordou em pagar pelo menos R$ 37,68 bilhões em danos coletivos. Desse valor, cerca de R$ 1,3 bilhão foi para a reparação direta aos familiares das vítimas.
Mas o caso de Brumadinho segue em julgamento. Duas empresas são réus: a mineradora Vale e a consultora alemã Tüv Süd, que assinou o laudo de estabilidade da barragem. Outras 16 pessoas também respondem ao processo, entre funcionários da Vale e da Tüv Süd. Eles são acusados de 270 homicídios dolosos (quando há intenção de praticar o crime), duplamente qualificado, além de diversos crimes ambientais. A vida dos bebês que não chegaram a nascer ficou de fora do processo.
Os familiares das vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho reclamam que a Vale não os procurou para prestar condolências, dar apoio ou reconhecer os serviços prestados pelos funcionários que morreram trabalhando. Há casos de empregados que estavam na empresa havia mais de 30 anos. A postura da Vale causou ainda mais dor no luto de quem perdeu os familiares, de acordo com a Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão).
O pedido inicial do governo de Minas Gerais e do Ministério Público para o acordo de reparação pelos danos ambientais e sociais era de R$ 54 bilhões. A Vale não concordou. A divergência levou à extensão de prazos e debates sobre o valor. Em fevereiro de 2021 foi selado o acordo em R$ 37,68 bilhões. O valor poderá ser maior porque o acordo prevê a recuperação integral do meio ambiente e foi feito por estimativa.
Demorou um ano para a primeira denúncia acontecer e outros três anos para que se definisse em qual esfera o processo deveria correr. A isso se dá o nome de conflito de competência, ou seja, determinar se o caso deveria ser julgado na Justiça Estadual ou Federal. Por fim, decidiu-se pela Justiça Federal.
A Justiça brasileira é considerada “garantista”, ou seja, respeita o direito à ampla defesa dos acusados. Se por um lado isso impede que inocentes sejam punidos sem que possam apresentar seus argumentos, por outro, na prática, implica um longo processo, que permite apresentação de recursos judiciais e pedidos de extensão de prazos.
Após a apresentação da denúncia, em janeiro de 2020, a defesa de dois engenheiros que são réus do caso pediu extensão do prazo para analisar o processo, que já somava 500 páginas. Eles argumentaram que a plataforma de documentos do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) tinha mais de 1 milhão de páginas de arquivos brutos dos celulares dos envolvidos. A Justiça acatou o pedido e o prazo para as defesas apresentarem seus argumentos foi estendido.
A pandemia chegou pouco mais de um ano após o rompimento da barragem de Brumadinho, o que atrasou o andamento do processo quando a Justiça precisou colocar os funcionários em home office. Como os documentos não estavam digitalizados, o trâmite do processo era todo físico e só pode ser retomado com a diminuição das restrições de contato social.
Desde a tragédia, familiares das vítimas fatais, comunidades e todos os demais atingidos estão mobilizados por justiça e reparação. Neste ano, o Instituto Camila e Luiz Taliberti, iniciativa coletiva de amigos e familiares das vítimas que levam o nome da organização, lançaram um manifesto e um abaixo-assinado para que o tema não caia no esquecimento.
Há outras iniciativas que buscam potencializar a voz das vítimas. Entre elas, o Observatório das Ações Penas de Brumadinho, que nasceu da necessidade de uma ferramenta que facilitasse aos familiares das 272 vítimas e outros interessados a compreensão sobre os processos judiciais e procedimentos administrativos que tramitam no Brasil e na Alemanha com o objetivo de revelar a verdade e aplicar a justiça penal a todos os responsáveis pelos crimes pelos homicídios e demais delitos relacionados ao rompimento da barragem da Vale S.A. em Brumadinho.
Em 25 de janeiro de 2020, o Ministério Público Estadual apresentou denúncia para a Justiça de Minas Gerais. A pandemia veio logo depois, forçando o isolamento social e atrasando o processo.
Em setembro de 2021, foi aberto o prazo para as defesas apresentarem seus argumentos. Um mês depois, os advogados do ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, apresentaram o argumento de que o processo deveria tramitar na Justiça Federal, por incluir acusações de falsas declarações a órgão federal, descumprimento da Política Nacional de Barragens e possíveis danos a sítios arqueológicos – que são competência da União.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) concordou e anulou o recebimento da denúncia na Justiça Estadual, alegando que ela não teria competência para julgar tais crimes.
Mas oito meses depois, em junho de 2022, o processo voltou para Minas. O ministro do STF (Supremo Tribunal de Justiça) Edson Fachin restaurou a competência da Justiça Estadual para analisar o caso, e a tramitação foi retomada do ponto em que havia parado.
Em dezembro de 2022, a decisão monocrática de Fachin foi revista pela segunda turma do STF, que acatou o argumento da defesa e devolveu à Justiça Federal a competência para julgar o caso.
Em janeiro de 2023, a Justiça Federal de MG aceitou a denúncia e o trâmite foi reiniciado do zero.
Agora, a defesa do ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman tenta tirá-lo da acusação de homicídio doloso. Em dezembro de 2023, os advogados entraram com um pedido de habeas corpus. Ele foi analisado pelo relator do TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região, que envolve MG). O juiz federal Flávio Boson Gambogi deu parecer favorável ao pedido, sinalizando que, se os outros dois juízes seguirem o mesmo entendimento, Schvartsman estará livre do processo. A análise está suspensa porque foi feito um pedido de vista (quando um juiz pede mais tempo para analisar a ação).