Desde o primeiro dia de 2017, entrou em vigor na China uma nova lei que limita a atuação de ONGs estrangeiras no país e estabelece a necessidade de um registro rigoroso e de fiscalização do trabalho das entidades pelas autoridades. Caso não recebam aprovação oficial, as organizações deverão interromper suas atividades.
Enquanto o governo chinês justifica a medida pela necessidade de impor limites à influência ocidental, na prática organizações chinesas e estrangeiras temem que o monitoramento ponha em risco os direitos de associação, assembleia e expressão.
A Global Witness, organização internacional de combate a corrupção e a violações humanos e ambientais, é uma das entidades afetadas pela nova lei. Em entrevista para a Conectas, Lizzie Parsons, a coordenadora de programas na China, explica como as organizações internacionais terão que se adaptar para manter uma atuação firme no país. Confira a seguir:
Conectas – Como a lei chinesa para ONGs afeta operações de organizações estrangeiras no país?
Lizzie Parsons – A nova lei provavelmente vai ter um enorme impacto em muitas organizações estrangeiras que atuam na China, assim como em seus parceiros locais que dependem de financiamento estrangeiro. Algumas poucas organizações já registradas junto às autoridades devem conseguir transferir seu registro do Ministério de Assuntos Civis para o Ministério de Segurança Pública e continuar como antes. No entanto, a maioria das organizações estrangeiras terão que se inscrever pela primeira vez. Este processo depende de ter a supervisão de um dos departamentos do governo, segundo uma lista publicada, de acordo com a área principal de atividade daquela ONG. Organizações importantes já estão com dificuldades de encontrar um departamento do governo que concorde em supervisionar suas atividades. De modo geral, a incerteza quanto à forma como o governo irá implementar a lei provavelmente resultará em redução significativa das atividades em todo o setor de ONGs estrangeiras na China continental nos próximos meses.
Conectas – Neste novo cenário, ainda vale a pena trabalhar na China?
LP – A Global Witness está empenhada em atuar junto ao governo, empresas e outros grupos na China em torno da boa governança no setor de recursos naturais. As empresas chinesas são os principais atores dos setores extrativos em nível mundial e, tal como as empresas estrangeiras, as suas atividades podem ou contribuir ou diminuir o desenvolvimento social e econômico nas comunidades onde operam. É primordial que a China contribua para os debates sobre a governança global e aprenda com as melhores práticas internacionais. Estamos trabalhando para facilitar isso. Em particular, gostamos de trabalhar em estreita colaboração com instituições-chave da indústria de mineração chinesa e do setor de responsabilidade social corporativa nos últimos anos por meio de uma colaboração aberta e de compartilhamento de informações. Espero que esse trabalho possa continuar sob a nova lei.
Conectas – Neste contexto, quais assuntos você ainda vê espaço para progresso e quais são mais sensíveis e eventualmente serão eliminados?
LP – Neste momento é muito cedo dizer quais os temas que provavelmente serão eliminados de acordo com a lei. A lista de assuntos formalmente permitidos pela lei é incluída como parte do Catálogo de Campos e Projetos para ONGs estrangeiras com atividades na China, e com o Diretório de Organizações Encarregadas de Operações (2017). Entre os temas sensíveis que poderiam ser excluídos estão a promoção da reforma política ou jurídica, a participação comunitária, a proteção dos direitos humanos, a proteção ambiental e a anticorrupção.
Conectas – Como você enxerga as condições de atuação da sociedade civil na China em comparação com outros países?
LP – A lei chinesa de ONGs estrangeiras pode ser outro método usado pelo governo para silenciar dissidentes, como parte de uma tendência global de estreitar o espaço da sociedade civil. Mais precisamente, a Global Witness documentou o assassinato de 185 ativistas pela terra e pelo meio ambiente no mundo todo. Os Estados precisam dar passos firmes para garantir a liberdade de associação, assembleia e expressão e condenar movimentos para restringir esses direitos em outros lugares.