Deputados e partidos deram início, nessa semana, ao processo de escolha do novo presidente da CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias) da Câmara. Repetindo o processo do ano passado, que terminou com ascensão do pastor evangélico Marco Feliciano ao posto, parlamentares abertamente contrários aos direitos humanos também se lançaram na disputa.
Conectas reitera a importância de que a decisão seja democrática e transparente e que os interesses políticos não se sobreponham à urgente necessidade de reabrir a CDHM para o debate público sobre direitos humanos.
“A Comissão de Direitos Humanos não pode ser uma segunda opção dos partidos. Os parlamentares têm a responsabilidade de não deixar que a partilha de cargos bloqueie, mais uma vez, o avanço de pautas urgentes para grupos minoritários”, afirmou Juana Kweitel, diretora de Programas da organização.
Desde a posse de Feliciano, em março de 2013, demandas dos movimentos sociais e da sociedade civil foram deliberadamente excluídas da agenda da CDHM, como o caso do projeto de lei que concedia igualdade jurídica aos casais homossexuais frente à Previdência Social, garantindo o registro de dependentes do mesmo sexo.
Se demandas progressistas foram barradas, projetos notadamente discriminatórios receberam anuência do presidente. É o caso do PL da “cura gay”, do deputado João Campos (PSDB-GO), que suspendia resolução do Conselho Federal de Psicologia e liberava a oferta de tratamentos psicológicos para a homossexualidade. A proposta foi reprovada pelos deputados logo depois de sair da comissão.
“O novo presidente deve retomar o compromisso com os princípios fundamentais dos direitos humanos, começando com o respeito às minorias. O Brasil levou muito tempo para construir um arcabouço de proteção a esses grupos e não pode deixar que discursos como o de Feliciano voltem a prosperar no Legislativo, ameaçando recentes conquistas”, completou Kweitel.
Comissão Extraordinária!
Com a aprovação em abril de um requerimento impedindo a presença popular nas sessões da CDHM, Conectas, Pedra no Sapato, Existe Amor em SP e o cartunista Laerte Coutinho criaram a Comissão Extraordinária! de Direitos Humanos – uma comissão paralela, em praça pública, para discutir as pautas negligenciadas pela Câmara.
Nas edições do evento, organizadas de maneira descentralizada, ativistas brasileiros e internacionais discutiram a guerra as drogas, a causa LGBT, o movimento feminista, a violência contra populações indígenas, o racismo, a violação de direitos em grandes obras e megaeventos, o sistema prisional e a violência policial.
Veja aqui e aqui o resultado das edições que contaram com a participação da Conectas.
A organização também se somou à manifestação de repúdio da Plataforma Dhesca, que demandou à Secretaria Especial de Direitos Humanos e à Presidência da República um posicionamento claro a respeito da nomeação de Feliciano. “É de fundamental importância que a presidência da Comissão honre com a sua história a luta por direitos humanos nesse país, de reconhecimento da diversidade e da tolerância”, disse a nota.
O que diz a lei
Criada em 1995, a CDHM é uma das 21 comissões temáticas da Câmara. Tem, entre as suas atribuições, a de “contribuir para a afirmação dos direitos humanos” e “parte do princípio de que toda a pessoa humana possui direitos básicos inalienáveis que devem ser protegidos pelo Estado e por toda a comunidade internacional”.
Na prática, o trabalho da comissão consiste em receber, avaliar e investigar denúncias de violações de direitos humanos, discutir e votar propostas relativas à sua área temática, fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais, colaborar com entidades não-governamentais, realizar pesquisas e estudos relativos à situação de direitos humanos no Brasil e no mundo e cuidar dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais.
Esse objetivo se concredizou em diversos momentos ao longo da história da casa. Até a criação da Comissão de Anistia em 2001, por exemplo, era a CDHM que recebia, analisava e encaminhava pedidos de anistia. Na época, a comissão também reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pelas violações cometidas durante a ditadura militar e resgatou a memória de casos de morte, desaparecimento e tortura.
Outra importante iniciativa da CDHM em 1998 foi a de impulsionar a lei que tipifica o crime de tortura no Brasil. A comissão convenceu os parlamentares de que a legislação vigente não dava conta do problema e organizou audiência pública entre ex-torturadores e torturados.
Já em 2002, a Comissão criou uma subcomissão voltada para o direito à comunicação e lançou uma campanha nacional chamada “Quem financia a baixaria é contra a cidadania: uma campanha pela valorização dos direitos humanos na televisão”. A iniciativa deu origem à primeira Conferência Nacional de Comunicação. Das 11 Conferências Nacionais de Direitos Humanos, 10 foram capitaneadas pela CDHM.