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13/08/2024

Caso Merlino: cinco décadas de luta por justiça e memória

Conheça a história do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto pela ditadura militar, e a luta de sua família por justiça contra o crime

O jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 pela ditadura militar.
Imagem: Arquivo pessoal
O jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 pela ditadura militar. Imagem: Arquivo pessoal

A tortura ainda é uma triste realidade no Brasil. Presente em diversos momentos históricos, essa prática persiste na violência praticada pelo Estado e seus agentes. Soma-se a isso a não resolução de casos emblemáticos, entre eles o de Luiz Eduardo Merlino, jornalista brutalmente torturado e morto nas dependências do DOI-CODI em 1971, durante a ditadura militar no Brasil. 

Em 2010, décadas depois da morte de Merlino, sua família ajuizou um processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em São Paulo (SP), buscando indenização por danos morais por essa perda irreparável. A Conectas junto com a Comissão Arns, Instituto Vladimir Herzog, a Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de São Paulo e o Núcleo de Acesso à Justiça e Meios de Solução de Conflitos da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas apresentou um pedido de amicus curiae (amigos da corte) para participar do processo, oferecendo informações e subsídios que podem ajudar na tomada de decisão da Justiça.

O Caso Merlino: uma luta de décadas

Em 15 de julho de 1971, Luiz Eduardo Merlino, com apenas 23 anos, foi preso na casa de sua mãe em Santos. Dias antes, ele havia retornado da França, onde denunciou a violência política e a tortura praticadas pelo regime militar brasileiro. Levado ao DOI-CODI em São Paulo, Merlino foi submetido a uma série de torturas por cerca de 24 horas, sob o comando de Carlos Alberto Brilhante Ustra. As torturas resultaram em graves lesões e mesmo hospitalizado, Merlino não recebeu o tratamento necessário e acabou falecendo devido à negligência deliberada dos responsáveis.

A notícia de sua morte chegou aos familiares apenas em 20 de julho de 1971. Desde então, a família Merlino, especialmente as mulheres, têm lutado incessantemente por justiça, verdade e reparação. 

Em 22 de setembro de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) acusou Carlos Alberto Brilhante Ustra, Dirceu Gravina e Aparecido Laertes Calandra de homicídio doloso qualificado contra Merlino, motivado por razões torpes e com uso de tortura, o que impossibilitou a defesa da vítima. O médico-legista Abeylard de Queiroz Orsini também foi denunciado, junto com Isaac Abramovitc (já falecido), por falsidade ideológica, pois o laudo de exame necroscópico que assinaram omitia informações e continha declarações falsas. Em 30 de setembro de 2014, a denúncia foi rejeitada, referenciando uma decisão anterior do Supremo Tribunal Federal.

A busca por respostas e reconhecimento dos horrores sofridos durante a ditadura é uma luta geracional, que se mantém viva por mais de cinco décadas.

STJ declara prescrita ação de indenização contra herdeiros do coronel Ustra

Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que declarou prescrita a ação de indenização por danos morais movida pela família de Luiz Eduardo Merlino. O processo tem como réu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI na época dos fatos. Após a morte de Ustra em 2015, seus herdeiros assumiram a posição de réus na ação.

A decisão do STJ baseou-se no entendimento de que a imprescritibilidade, prevista em súmula do STJ para ações indenizatórias decorrentes de perseguição política, não se aplicaria ao caso. A ministra Isabel Gallotti argumentou que essa imprescritibilidade não poderia ser usada em ações que buscam responsabilizar diretamente agentes públicos, para evitar perpetuar conflitos entre indivíduos e não impor condenações aos herdeiros do causador do dano, dentro dos limites da herança.

A ação foi iniciada pela companheira e pela irmã de Merlino em 2010, quando Ustra ainda estava vivo. Em primeira instância, o coronel foi condenado a pagar uma indenização por danos morais de R$ 50 mil para cada autora. No entanto, o TJSP considerou que o processo foi aberto quando já havia ocorrido a prescrição.

O pedido de amicus curiae

A decisão do STJ de declarar prescrita a ação de indenização contra os herdeiros do coronel Ustra significa que o direito de buscar reparação financeira pelos danos morais causados pela tortura e morte de Luiz Eduardo Merlino expirou com o tempo. 

Essa decisão impede que a família de Merlino continue com a ação de indenização, mesmo que o crime em questão tenha ocorrido durante a ditadura militar e seja considerado uma grave violação dos direitos humanos.

É como se a justiça tivesse um prazo de validade, minimizando a dor de familiares, e perpetuando os horrores da ditadura com impunidade. 

Em reposta a esta injustiça, um pedido de amicus curiae, feito pela Conectas e outras entidades, destaca a importância de reconhecer a imprescritibilidade das ações de reparação por graves violações de direitos humanos, como o assassinato de Luiz Eduardo Merlino. Esse reconhecimento é fundamental para garantir que crimes cometidos durante a ditadura militar não sejam esquecidos ou tratados com descaso pela Justiça brasileira.

As entidades apresentaram pesquisas e análises detalhadas sobre a relevância histórica e jurídica do caso Merlino, enfatizando que a decisão do STJ pode se tornar um marco na jurisprudência brasileira sobre violações de direitos humanos. O objetivo é assegurar que a família Merlino, assim como tantas outras afetadas pela repressão política, obtenha finalmente a reparação e o reconhecimento de sua luta por justiça. A expectativa é que esses pedidos sejam julgados no próximo dia 20 de agosto. 

A tortura na ditadura e a luta pela justiça

O caso Merlino é emblemático da violência e repressão extrema que marcaram a ditadura militar no Brasil. Reconhecer e responsabilizar os perpetradores dessas atrocidades é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e para a consolidação da democracia no Brasil. A impunidade diante de tais crimes não pode ser tolerada, e casos como o de Luiz Eduardo Merlino devem servir como lembretes da necessidade de memória, verdade e justiça.

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