Marco Aurélio Cardenas Acosta, morto pela polícia em SP. Foto: Arquivo pessoal
Apesar das imagens que mostram um policial militar perseguindo e executando Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, com um tiro à queima-roupa em julho de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) voltou a negar, neste mês, o pedido de prisão preventiva do agente. A decisão demonstra a falta de responsabilização que marca as ações letais da polícia paulista e reforça as denúncias sobre o desmonte de mecanismos de controle e a escalada da violência policial no estado.
São Paulo registrou, em 2023, 504 mortes por intervenção policial — número que saltou para 813 em 2024, de acordo com o Mapa da Segurança Pública 2025, do Ministério da Justiça. O aumento atinge especialmente crianças, adolescentes e a população negra. Entre 2022 e 2024, as mortes de jovens em ações policiais cresceram 120%. Negros seguem como as principais vítimas: são 3,7 vezes mais atingidos por intervenções letais da PM, segundo relatório do UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública lançado neste mês.
Marco Aurélio era um estudante universitário e morava com os pais na Vila Mariana, bairro de classe média na zona sul da capital. Segundo os policiais envolvidos, ele teria resistido à abordagem e tentado desarmar um agente. Mas imagens de câmeras de segurança contradizem a versão oficial: mostram o jovem desarmado sendo encurralado e morto sem chance de reação.
“Meu filho foi escolhido por discriminação social e por parecer pobre, mesmo morando em um bairro de classe média”, denunciou Julio Cesar Acosta Navarro, pai do estudante, durante a 59ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, em um evento paralelo promovido para denunciar a escalada da violência policial em São Paulo e em outras regiões do Brasil. O encontro aconteceu em junho e reuniu, além dos pais da vítima, a Relatora Especial da ONU sobre os Direitos à Liberdade de Associação, Gina Romero; o Relator Especial da ONU para execuções arbitrárias, Morris Tidball-Binz; o advogado e professor de direito internacional e direitos humanos da FGV, Thiago Amparo e a diretora executiva da Conectas, Camila Asano.
“Este caso é uma situação de xenofobia, de racismo e de violência sobre pessoas que aparentemente são pobres”, ressaltou Julio Cesar Acosta Navarro.
A mãe de Marco Aurélio, Silvia Mônica Cardenas Prado, médica intensivista, também responsabilizou diretamente o Estado: “Meu maior orgulho não é ser cardiologista. É ser mãe. E o governo do Estado de São Paulo matou meu filho Marco Aurélio.”
Apesar da brutalidade, o PM permanece em liberdade, lotado em funções administrativas, mas com acesso a armamento. A família da vítima agora pretende recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando risco à ordem pública.
A execução de Marco Aurélio não é um caso isolado. Dados do relatório Mapas da Injustiça, coordenado pelo advogado e professor Thiago Amparo, mostram um padrão alarmante de impunidade. O estudo analisou 859 inquéritos policiais sobre ações que resultaram na morte de 946 pessoas em São Paulo. Nenhum agente foi denunciado pelo Ministério Público. Entre os casos com análise pericial:
“A falta de transparência e a morosidade para obter informações — foram necessários dois anos para acessar os inquéritos — evidenciam o apagamento institucional da violência de Estado”, afirmou Amparo, no mesmo evento em Genebra.
Em junho, durante sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, os pais de Marco Aurélio, especialistas e organizações brasileiras denunciaram a escalada da letalidade policial no Brasil. Em apelo urgente às Nações Unidas, os familiares pediram a responsabilização do governo estadual pela morte de seu filho e do Estado brasileiro pelas violações de direitos humanos decorrentes da violência policial que ocorre em todo o país
Camila Asano, diretora-executiva da Conectas, cobrou, durante o evento paralelo, que o governo brasileiro seja pressionado a responsabilizar os agentes envolvidos em execuções e a implementar medidas concretas para prevenir abusos. Também presentes na atividade, o relator da ONU para Execuções Arbitrárias, Morris Tidball-Binz, e a relatora para Liberdade de Associação, Gina Romero, manifestaram preocupação com o caso.
A divulgação internacional do caso de Marco Aurélio reforça o alerta: a violência policial em São Paulo é seletiva, concentrada nos territórios negros e periféricos, e amparada pela omissão do sistema de Justiça. A permanência de policiais envolvidos em execuções nos quadros da corporação, mesmo diante de provas contundentes, é parte de uma engrenagem que normaliza o uso excessivo da força. A luta dos familiares por justiça escancara não só a dor, mas a urgência de reformas estruturais. Como diz a própria mãe do jovem assassinado: “O que aconteceu com meu filho pode acontecer com qualquer um.”