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23/07/2014

Carta branca

Ignorando violações, líderes incorporam Guiné Equatorial à comunidade lusófona



A X Conferência de chefes de Estado da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), realizada hoje em Díli, no Timor Leste, oficializou a controvertida incorporação da Guiné Equatorial ao bloco. A ex-colônia espanhola vive há 35 anos sob a repressiva ditadura de Teodoro Obiang.

O Brasil foi um dos principais apoiadores da candidatura guineense. Portugal e Moçambique, mais relutantes, condicionaram a entrada do novo membro ao fim da pena de morte no país. O critério, no entanto, não vem sendo cumprido. O governo de Obiang apenas suspendeu o dispositivo temporariamente através de uma resolução presidencial. Poucos dias antes da entrada em vigor do documento, em janeiro, pelo menos quatro presos foram executados clandestinamente.

Organizações da sociedade civil repudiaram a falta de iniciativas da CPLP para verificar as condições do país em matéria de direitos humanos antes de sua integração ao grupo. Para o ativista guineense Tutu Alicante, diretor executivo da ONG EG Justice, “é lamentável que a Comunidade permita tacitamente a si mesma ser usada para limpar a imagem do mais antigo chefe de estado do mundo”. Alicante está exilado nos Estados Unidos há 20 anos.

“A CPLP deveria ter enviado uma delegação a Guiné Equatorial para ouvir a sociedade civil, a oposição e as autoridades. Deveria ter se engajado em conversas sérias com o governo para descobrir sua real natureza”, afirma. “Ao contrário, escolheu ignorar o chamado de organizações de direitos humanos e, também, as advertências do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial sobre a corrupção, a opacidade, a pobreza e a desigualdade no país. Isso diz muito sobre o déficit de liderança responsável na CPLP.”

A Guiné Equatorial é o país com o maior PIB per capita da África – posição que se explica pela intensa exploração de petróleo desde os anos 1990. Hoje, a produção guineense só perde, no continente, para Nigéria e Angola.

Os índices sociais não acompanharam o êxito econômico dos últimos anos. Entre os 187 países que figuram no Index de Desenvolvimento Humano da ONU, o de Obiang ocupa a posição 136. Lá, segundo o Banco Mundial, uma em cada 8 crianças morre antes de seu primeiro aniversário (no Brasil, a taxa de mortalidade infantil é de 1,9 em cada 100 habitantes).

Conectas também criticou a ‘carta branca’ dada a Obiang e cobrou da Comunidade uma inspeção ao país. “A primeira ação da CPLP depois da incorporação da Guiné Equatorial deve ser uma missão para atestar a sistemática violação de direitos que vem sendo denunciada, há anos, por organizações locais”, diz Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “Apesar de tardio, esse seria o único sinal de que o grupo está comprometido em alcançar uma integração econômica, cultural e política norteada por padrões internacionais de direitos humanos.”

Em maio, Conectas e organizações parceiras cobraram comprometimento do Brasil no processo de Revisão Periódica Universal da Guiné Equatorial na ONU. As organizações denunciaram a persistência da pena de morte, da prática de tortura e da falta de liberdade de associação e reunião. Leia as cartas enviadas ao governo brasileiro aqui e aqui.

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