Diante do momento mais desafiador da democracia brasileira desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, reforçamos nosso compromisso inabalável com a democracia e com a construção de um país mais seguro e inclusivo para todos e todas. Não há espaço para que as atribuições da Presidência da República sejam utilizadas para ameaçar a institucionalidade, incitar a violência e conclamar a desordem. Por essa razão, convocamos as instituições e toda a sociedade brasileira a responsabilizar os que atacam a segurança pública e a democracia. Não podemos aceitar tamanha afronta daqueles que deveriam ser seus primeiros guardiões.
Há décadas, as organizações que representamos trabalham para que tenhamos uma segurança pública de qualidade, elemento central em uma democracia. Em um país marcado por períodos de autoritarismo e seus resquícios, e também pelo racismo, pelo machismo e por profundas desigualdades socioeconômicas, são inúmeros os desafios para que as garantias constitucionais do direito à vida, à segurança e ao Estado Democrático de Direito sejam, de fato, usufruídas por toda a população. A consolidação da democracia exige o rechaço aos rumos irresponsáveis assumidos pelo governo federal na condução de temas centrais para o interesse público nacional.
A exemplo do que acontece em outras áreas da administração pública federal, a condução das políticas de segurança pública pelo atual governo ignora dados disponíveis e o acúmulo de experiência e conhecimento de membros das forças de segurança, dos gestores públicos, da academia e de organizações da sociedade civil. Na contramão da elaboração de políticas públicas baseadas em evidências, o governo federal priorizou propostas que potencializam os riscos de insegurança e violência no país e insiste em incentivar o uso da força como método de ação para desestabilizar o país. Dentre essas propostas, estão a ampliação da excludente de ilicitude e o aumento do acesso a grandes quantidades de armas e munições, inclusive de calibres mais potentes antes proibidos para uso civil, para grupos que compõem a base de apoio do atual governo.
Essas duas propostas demonstram o caminho antidemocrático escolhido pelo governo com relação a um ponto nevrálgico da atuação estatal: o monopólio do uso legítimo da força. Ao invés de primar pelo controle e pela legitimidade do emprego excepcionalíssimo da força como forma de resolução de conflitos em uma democracia, o governo federal incita a mobilização da violência privada e a radicalização político partidária de parte das forças de segurança pública e defesa.
Além disso, o governo federal trata os profissionais da segurança pública como massa de manobra de seu projeto de poder e, ao contrário de implementar uma efetiva política nacional de segurança pública e de valorização desses profissionais, estimula conflitos, antagonismos e padrões operacionais que multiplicam o risco de confrontos e mortes.
Sabemos que o caminho para a consolidação da nossa democracia e para a construção de uma sociedade mais segura para todas e todos não tem atalhos. Não podemos ficar inertes aos retrocessos galopantes em políticas que foram resultado de engajamento e construções coletivas compromissadas com o bem público, e com valores essenciais para nossa democracia: a defesa da vida, da dignidade humana e a proteção das liberdades individuais.
Os efeitos dos discursos e das práticas de ódio, de criminalização da atuação cívica e da negação da diversidade e da pluralidade que ganharam a ordem do dia perdurarão por muito tempo. Já cruzamos a linha. Por isso mesmo, precisamos dar um basta. Ainda restam instrumentos democráticos para isso: não podemos nos furtar a usá-los diante dos ataques e ameaças ao hoje e ao amanhã de nossa segurança e democracia. A anarquia só interessa aos senhores da guerra e das armas.
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