Atualizada em 14/10/2019, às 10h39:
No próximo dia 17 de outubro, acontecem em Nova York as eleições dos países que desejam ocupar um assento no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o mandato de janeiro de 2020 a dezembro de 2022. O Brasil é candidato a uma das duas vagas dedicadas aos países da América Latina e Caribe e, se eleito, terá direito a propor e votar resoluções.
Desde a criação do Conselho de Direitos Humanos, em 2006, a Conectas acompanhou de perto a atuação da política externa brasileira neste que é o principal órgão intergovernamental dentro do sistema das Nações Unidas responsável por fortalecer a promoção e proteção dos direitos humanos e por abordar situações de violação e fazer recomendações sobre elas.
Como organização da sociedade civil com status consultivo na ONU a atuar no Conselho, Conectas sempre se manteve crítica à postura brasileira. Pela primeira vez, entretanto, recomendamos aos Estados-membros que rechacem a candidatura do Brasil. Esta decisão está respaldada pela guinada ideológica conservadora e a propulsão de políticas antiminorias adotada pela diplomacia brasileira desde o início da gestão Jair Bolsonaro.
É certo que nenhum país do mundo, mesmo entre as democracias mais avançadas, está livre de violações de direitos humanos. O Brasil, entretanto, vem adotando posturas contrárias a seus posicionamentos históricos. Já deu indícios de querer influenciar negativamente resoluções sobre temas como drogas e direitos sexuais e reprodutivos e apresenta uma série de declarações que desqualificam a construção multilateral sob o frágil e inespecífico argumento da “ameaça globalista”. E mais: ofendeu a memória do pai da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, morto pela ditadura Pinochet, e atacou e constrangeu defensores brasileiros presentes no Conselho.
O próprio discurso agressivo de Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU deixou claro que, em nome de valores fundamentalistas, o país abandonou o diálogo para perseguir lideranças indígenas, ofender outros Estados, criticar a liberdade de imprensa, defender o golpe militar de 1964 e fomentar a luta contra o inimigo invisível da “ideologia de gênero”.
No plano doméstico, o governo Bolsonaro também mostrou desprezo por compromissos internacionais: abandonou o Pacto Global de Migração, cancelou a Conferência do Clima que seria realizada em Brasília, descumpriu o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura ao enfraquecer o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e descumpriu os Princípios de Paris ao intervir no Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Em sua diplomacia, Jair Bolsonaro ignora a pluralidade de ideias em seu próprio país, subverte a tradição de diálogo do Itamaraty e instrumentaliza a política externa a serviço de suas ideologias. Com isso mostra que o Estado brasileiro, por ora, não apresenta as credenciais necessárias para reocupar seu assento como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e, assim, propor soluções aos desafios globais mais graves e urgentes de direitos humanos da atualidade.
Conectas lamenta que, até o momento, o Grulac (Grupo de Países Latinoamericanos) esteja promovendo uma eleição não-competitiva indicando apenas dois candidatos para suas duas vagas, indo contra o próprio espírito de uma eleição. Por isso, encorajamos que outros candidatos surjam até o dia do pleito como permitem as regras.
Caso isso não ocorra e o Brasil seja eleito, será responsabilidade da comunidade internacional cobrar com mais ênfase suas obrigações nas questões que envolvem os direitos humanos, seja diante de sua política doméstica, seja em suas negociações em Genebra.
A Conectas seguirá firme na denúncia de posturas contrárias aos direitos humanos seja em âmbito nacional como na política externa brasileira.