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18/08/2014

BNDES e direitos humanos

Estudo da Conectas aponta falhas e pede mudanças num dos maiores bancos de financiamento do desenvolvimento do mundo



Última atualização: 16/9/14

Conectas publicou hoje um detalhado estudo sobre as regras e padrões de transparência, prestação de contas à sociedade e mecanismos de avaliação de impactos socioambientais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), principal instituição de fomento ao desenvolvimento do país.

O relatório mostra que a falta de transparência da instituição financeira impede que as comunidades afetadas e a sociedade como um todo monitorem a eficácia dos instrumentos que a instituição de fomento afirma ter para evitar que seus recursos acabem financiando empreendimentos da iniciativa privada que violam os direitos humanos no Brasil e no exterior.

Além disso, foram identificadas fragilidades nas ferramentas de prevenção e mitigação de impactos socioambientais, assim como a ausência de diálogo direto com as comunidades e de um mecanismo para o recebimento de queixas e denúncias de violações de direitos humanos no âmbito dos projetos financiados.

As análises e recomendações da publicação basearam-se em pesquisas realizadas por meio de questionamentos diretos ao banco, análise de documentos oficiais, balanços financeiros, relatórios técnicos, decisões judiciais, pedidos baseados na Lei de Acesso à Informação, legislação brasileira e normas internacionais e entrevistas com atores direta e indiretamente ligados às ações do banco.

A pesquisa utilizou como marco de referência, além da legislação nacional, os Princípios Orientadores da ONU para Empresas e Direitos Humanos, aprovados pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2011. Esses Princípios afirmam que empresas controladas pelo Estado ou que recebam dele recursos ou subvenções possuem um grau de responsabilidade superior pela proteção dos direitos humanos. É o caso do BNDES, uma empresa pública federal que, segundo tais princípios, deve expressamente ter uma política de direitos humanos e realizar avaliações de potenciais impactos com base nas normas nacionais e internacionais.

“A publicação é em si um reconhecimento à importância do BNDES na história do Brasil e à sua relevância entre as instituições de financiamento ao desenvolvimento no mundo. Se o estudo é crítico, isso se deve justamente ao fato de que a sociedade exige respeito aos mais altos padrões de transparência, aos direitos humanos e à legislação ambiental, um respeito que seja digno da relevância vital que este banco adquiriu ao longo de seus mais de 60 anos de existência”, diz Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas.

Em mais de cem páginas, Conectas lista falhas e lacunas da governança interna do BNDES e do marco regulatório-institucional que governa o financiamento do banco a empresas privadas. São feitas recomendações para fortalecer as políticas internas do banco e a legislação brasileira de modo a evitar que o financiamento do BNDES seja direcionado a empresas e empreendimentos com significativo impacto social. Busca-se também que as partes interessadas possam participar ativamente do desenho de medidas de mitigação de impactos, em todas as fases do projeto.

“O BNDES não é o único responsável por garantir que o desenvolvimento seja um processo baseado nos direitos da pessoa humana, mas é uma instituição com capacidade de fazer uma grande diferença. Para que o banco cumpra efetivamente com sua missão de contribuir para o desenvolvimento social brasileiro, ele precisa ser mais aberto à sociedade e mudar sua visão sobre o papel que pode desempenhar na proteção de direitos daqueles que são afetados pelos projetos financiados”, diz Caio Borges, advogado do projeto de Empresas e Direitos Humanos da Conectas. Para ele, “o BNDES precisa avançar na transparência institucional e divulgar informações produzidas ao longo do ciclo do projeto, especialmente com relação aos seus financiamentos no exterior”.

Em nota dirigida à organização Business and Human Rights Resource Centre, que divulgou o estudo da Conectas, o banco afirmou que as questões levantadas no documento “se tornaram objeto de discussão em fóruns de diálogo com entidades da sociedade nos quais o BNDES participa ativamente”. Afirmou, ainda, que desde 2008 os contratos celebrados pela instituição incluem uma cláusula social’ que “explicitamente combate não apenas a discriminação de raça ou gênero, mas também o trabalho infantil e escravo no Brasil”. Disse, por fim, que é pioneiro em iniciativas de transparência e que disponibiliza em seu site informações sobre todas as operações de crédito.

Leia aqui a íntegra da nota enviada pelo BNDES ao Business and Human Rights Resource Centre.

Blindagem do banco

Uma das principais críticas do estudo é justamente a que dificulta a realização de pesquisas com a acuidade necessária: o déficit de transparência do BNDES, um banco que, entre 2008 e 2014, recebeu mais de R$ 400 bilhões de repasses do Tesouro. Aliadas às fontes tradicionais de recursos do BNDES, esse montante levou o banco a ser responsável por 20% de todos os investimentos realizados no Brasil em 2013 e por 75% de todo o crédito de longo prazo para empresas privadas no país no mesmo ano.

“O BNDES nega acesso a informações dos mais diversos tipos alegando sigilo bancário, necessidade de sistematização adicional de dados, segurança nacional, sigilo comercial e informação que pode influir na cotação de valores mobiliários. Todas essas exceções estão na Lei de Acesso à Informação. O equívoco está na interpretação do BNDES sobre elas, demasiadamente expansiva. Esse é o entendimento da própria Corregedoria Geral e do Tribunal de Contas da União”, diz Juana Kweitel.

Conforme apontado no estudo, o banco mantém sob sigilo documentos que claramente não deveriam ser confidenciais, como relatórios de análise técnica sobre impactos socioambientais, relatórios de acompanhamento da execução das condicionantes impostas pelo próprio banco por meios contratuais e relatórios de auditoria independente especializada contratada para averiguar o cumprimento das condicionantes.

O problema é agravado nos casos de apoio à exportação de bens e serviços de empresas brasileiras para o exterior. Um exemplo mencionado é a decretação inédita de sigilo no Brasil para informações sobre financiamento do BNDES a empresas brasileiras em Angola e Cuba. Como agravante, está o fato de o STF ter concedido liminar mantendo o sigilo, impossibilitando ao Congresso Nacional e aos órgãos de controle exercer a fiscalização do uso dos recursos públicos brasileiros.

Recomendações

Conforme anota a professora Flávia Piovesan, autora do prefácio da publicação, o BNDES tem se afirmado como um relevante ator no marco de um discurso político cada vez mais fortalecido entre os países do chamado Sul Global, mas há um desafio em “repensar o desenvolvimento à luz do paradigma dos direitos humanos”.

Para tanto, o estudo elaborado plea Conectas contém uma série de recomendações que visam tornar a governança interna e externa ao BNDES mais aderentes aos padrões nacionais e internacionais de proteção à pessoa humana. As propostas não são dirigidas apenas ao banco, mas a outros atores com incidência nesse contexto.

BNDES

– divulgar informações produzidas ao longo do ciclo do projeto e de natureza institucional;

– estabelecer espaços institucionalizados de participação da sociedade civil na definição de políticas e estratégias;

– adotar uma Política de Direitos Humanos; conduzir análise de impactos sociais e de direitos humanos em todas as suas operações;

– promover alterações no funcionamento de sua Ouvidoria ou instituir um novo órgão capaz de trabalhar ativamente na solução de e recebimento de denúncias e reclamações de vítimas e partes afetadas.

Congresso Nacional

– condicionar repasses do Tesouro à observância da legislação de DH pelo BNDES;

– legislar para que empresas violadoras não tenham acesso ao crédito oficial;

– convocar dirigentes do BNDES para prestar contas sobre denúncias de violações de direitos humanos;

– alterar a Lei do Sigilo Bancário para excetuar as operações financeiras realizadas por bancos públicos.

Governo Federal

– instituir Código de Conduta em Direitos Humanos para empresas que desejem ter relações comerciais com o Poder Público;

– elaborar cadastro de empresas com histórico de violações de direitos humanos e proibir as que estejam lá de ter acesso ao crédito oficial;

– alterar (em conjunto com Congresso) procedimentos de leilões públicos e concessões para que avaliações de impactos sejam realizadas em momento oportuno, antes do início das obras.

Banco Central

– exigir das instituições financeiras uma Política de Direitos Humanos;

– monitorar e fiscalizar o cumprimento da Resolução 4327/2014, que instituiu a obrigatoriedade de todas as instituições financeiras de criarem uma Política de Responsabilidade Socioambiental;

– exigir das instituições sistemas efetivos de compliance, monitoramento, controles internos e prevenção de riscos de direitos humanos e socioambientais; exigir maior transparência do sistema financeiro com relação às questões socioambientais e de direitos humanos.

Direitos humanos e empresas na Conectas

Conectas Direitos Humanos é uma organização internacional não-governamental fundada em São Paulo, Brasil, em 2001, que defende e promove os direitos humanos e o Estado Democrático de Direito nos países do Sul Global (África, Ásia e América Latina). Por meio dos programas de Justiça, Política Externa e Cooperação Sul-Sul, Conectas trabalha em âmbitos nacional, regional e internacional.

Desde 2005, Conectas também atua na área de Direitos Humanos e Empresas. Em 2011, a organização colaborou com a Comissão Internacional de Juristas na elaboração de pesquisa sobre o acesso à justiça por violações de direitos humanos cometidas por empresas no Brasil. Em 2012, Conectas lançou uma versão em português dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.

Desde 2013, a entidade desenvolve ações visando integrar a dimensão dos direitos humanos ao financiamento para o desenvolvimento e ao setor financeiro em geral.

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