O Brasil anunciou hoje que pretende colocar US$ 18 bilhões num fundo de reserva de US$ 100 bilhões dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O anúncio foi feito durante reunião do G20, em São Petesburgo, na Rússia.
Para o pesquisador do Programa de Empresas e Direitos Humanos da Conectas, Caio Borges, o aporte brasileiro levanta novamente a necessidade de discussão sobre os parâmetros de respeito aos direitos humanos que devem reger a concessão de financiamento pelo recém criado Banco dos Brics.
Os líderes dos cinco países que formam os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – estão convencidos de que a criação de um novo banco de desenvolvimento multilateral é “factível e viável”.
Testemunha-se o nascimento de uma nova instituição financeira multilateral cujas justificativas para sua criação foram a necessidade de investimentos em projetos de infraestrutura e desenvolvimento em países emergentes e de diversificação das linhas de financiamento para além das oferecidas por instituições existentes, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Conforme se vê das razões apresentadas pelos líderes dos BRICS, o novo Banco representa mais um capítulo da discussão sobre as formas de se incrementar e otimizar os investimentos em infraestrutura e projetos de desenvolvimento para a geração de empregos, o crescimento econômico e o bem-estar das atuais e futuras gerações dos países em desenvolvimento.
É inegável que os projetos de infraestrutura nos países pobres e emergentes são essenciais para superar gargalos que os impedem de ascender ao seleto clube dos países desenvolvidos. Entretanto, o modelo de desenvolvimento que se vê atualmente no Brasil e em outros países dos BRICS tem um forte viés em favor de obras grandes e complexas, que frequentemente produzem significativos impactos ambientais e sociais. Somando-se a isso a forte pressão política para a execução dos projetos, o resultado são casos preocupantes de violações a direitos humanos e de degradação causada ao meio ambiente e à vida de comunidades indígenas e tradicionais, pouco ou insuficientemente ouvidas nas fases de preparação e execução dos projetos.
Em um olhar histórico sobre a atuação dos Bancos de Desenvolvimento Multilaterais (BDMs) existentes – Banco Mundial, BID, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Asiático de Desenvolvimento, etc. – pode-se perceber que cada um deles foi gradualmente incorporando políticas e procedimentos destinados a resguardar o meio ambiente e as populações beneficiárias de impactos adversos causados pelos projetos por eles financiados.
Ainda que tais políticas muitas vezes não tragam referências expressas aos direitos humanos, há um núcleo de temáticas que está presente em praticamente todos os BDMs, fruto de uma tendência de harmonização dos sistemas de proteção de direitos humanos entre diferentes instituições. São elas: meio ambiente, povos indígenas, reassentamento involuntário, condições de trabalho, gênero, anticorrupção, transparência e acesso à informação. Além disso, há um mecanismo de participação e reclamação onde indivíduos ou comunidades afetadas podem levar suas preocupações aos mais altos níveis da organização, com a possibilidade de que os projetos sofram modificações ou até sejam cancelados em situações extremas.
A evolução da responsabilidade socioambiental dos BDMs, contudo, ocorreu em larga medida devido às denúncias de violações direitos humanos levadas por organizações da sociedade civil. Assim, o processo de criação e aperfeiçoamento dessas ferramentas seguiu – e ainda segue – o caminho mais árduo, que é o da reação, e não o da prevenção dos impactos e custos socioambientais.
O Banco dos BRICS terá, portanto, o privilégio de olhar para os êxitos e fracassos de outras instituições similares e evitar que sua legitimidade seja posta à prova em razão da ausência ou descumprimento de critérios de direitos humanos para a concessão de financiamentos aos projetos pleiteados.
As dimensões ambiental e social dos projetos devem ser integradas aos processos de aprovação e monitoramento dos financiamentos do Banco dos BRICS desde o primeiro desembolso. No atual estágio de reconhecimento da essencialidade das questões não econômicas para o financiamento de projetos de infraestrutura, é inconcebível que os casos de violação de direitos humanos venham a ser o motor da elaboração de critérios socioambientais e mecanismos de reclamação, responsabilização e transparência.
Essa questão torna-se ainda mais essencial pela abrangência territorial das operações do futuro Banco. Segundo a presidenta Dilma, o Banco realizará investimentos não apenas em países integrantes do grupo, mas também em outras nações, em especial no continente africano e na América do Sul. Assim, haverá projetos em países cuja legislação ambiental seja razoavelmente avançada ou bem cumprida como em outros lugares onde o sistema de proteção socioambiental seja fraco ou virtualmente inexistente. Assim, parâmetros e critérios mínimos de proteção do meio ambiente e dos direitos humanos, são não apenas desejáveis, como necessários.
Assim, é imprescindível que os líderes políticos dos BRICS orientem os futuros dirigentes do Banco a estabelecerem como prioritária a elaboração de um sistema robusto de critérios para mensuração e mitigação de impactos ao meio ambiente e aos direitos humanos, além das regras de transparência. Tal iniciativa, por sua vez, deverá ser precedida de um amplo processo de consultas públicas nos países destinatários, em que os atores interessados tenham a oportunidade de influenciar no seu desenho.
Nessa etapa, em especial, o novo Banco poderá contar com a expertise e conhecimento acumulado das organizações da sociedade civil no assunto. Ao levar casos concretos de violações de direitos humanos e pressionar por uma maior abertura nos processos decisórios, tais organizações desempenharam um papel importante na democratização dos bancos multilaterais de desenvolvimento.