Nos dias 21 e 22 de março de 2016 ocorreu em São Paulo a “Reunião Estratégia da Sociedade Civil sobre os Brics” (grupo de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o Novo Banco de Desenvolvimento. O evento foi organizado pela Conectas Direitos Humanos, Rebrip (Rede Brasil pela Integração dos Povos) e Oxfam Brasil. A reunião contou com a presença de cerca de 30 representantes de organizações da Índia (Oxfam Índia e Accountability Counsel), Rússia (Institute of Globalization Studies) e África do Sul (CALS), além de membros do secretariado da rede global Coalition for Human Rights in Development e da Iniciativa para las Inversiones Sustentables China-América Latina. Entre as organizações brasileiras estiveram presentes Ibase, Fundação Heinrich-Boll (Brasil), Action Aid (Brasil), Articulação Sul, IR, Abia, International Accountability Project (Brasil), BRICS Policy Center e GIP.
Desde o anúncio da criação do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), em 2013, diversas entidades da sociedade civil voltaram seus esforços para influir no processo de criação do novo banco multilateral, com o objetivo de inserir nos processos de estruturação da nova instituição uma discussão pública e participativa sobre o conceito de desenvolvimento a ser adotado pelo banco, sobre os tipos de projetos a serem financiados e acerca de suas políticas de transparência, socioambiental e de direitos humanos, e de seus mecanismos de recebimento de denúncias. Na Cúpula de Ufá, na Rússia, dezenas de organizações enviaram uma carta aos países dos BRICS com quatro princípios para que o NBD promova um modelo de desenvolvimento realmente novo, ou seja não-violador. No entanto, até o presente momento, na iminência da aprovação dos primeiros projetos pelo banco (prevista para o mês de abril), a mobilização da sociedade civil em torno do Banco não encontrou eco nas ações dos governos nacionais e do próprio Banco.
A falta de informações a respeito do andamento do processo de operacionalização do NBD tem motivado a sociedade civil a buscar a criação de espaços de articulação estratégica com o fim de exigir transparência e garantir que direitos não serão violados pelo banco e seus tomadores de empréstimos. Além das entidades da sociedade civil, o evento contou com a presença de representantes do Ministério das Relações Exteriores e da Fazenda, que abordaram questões como o processo de criação das políticas socioambientais e possibilidades de abertura de canais de diálogo com a sociedade civil.
Na abertura do evento, Otávio Cançado Trindade, Chefe da Divisão do Fórum Ibas e do Agrupamento Brics no MRE (Ministério das Relações Exteriores), traçou um panorama da atuação do banco sob a presidência russa e algumas iniciativas que serão tomadas com a presidência indiana. O representante do MRE ressaltou que o NBD será um “Banco de projetos”, que contará com co-financiamento de bancos privados. Cançado Trindade explicou que o NBD irá utilizar o conceito de desenvolvimento sustentável existente em marcos normativos internacionais, como a Agenda dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de 2030.
Em seguida, as organizações dos cinco países compartilharam experiências de advocacy com bancos multilaterais e nacionais de desenvolvimento. Adhemar Mineiro, da Rebrip, ressaltou a importância de se olhar para as experiências de bancos nacionais de desenvolvimento, como o BNDES. Mas chamou a atenção para a resistência dessas instituições a processos mais transparentes e participativos. As organizações dos países dos BRICS presentes notaram que o processo de aprovação do NBD pelos parlamentos foi extremamente rápido e não envolveu consultas e debates públicos. Segundo Boris Kagarlitskiy, da Rússia, o debate sobre os BRICS, e especificamente sobre o NBD, ainda não é realizado por muitos atores no país. Paulina Garzón (Iniciativa para las Inversiones Sustentables China-América Latina) apresentou um panorama dos investimentos chineses na América Latina e das políticas de salvaguardas do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB).
Como parte do objetivo de disseminar o debate sobre o Novo Banco de Desenvolvimento junto à sociedade brasileira, na manhã do dia 22/03 foi realizada a Mesa Redonda “O Novo Banco de Desenvolvimento rumo ao seu primeiro desembolso: desafios na agenda socioambiental”. A sessão ocorreu no Auditório da FGV Direito SP. Sob moderação de Caio Borges, advogado do projeto de empresas e direitos humanos da Conectas, a Mesa Redonda teve como panelistas: Komala Ramachandra (Accountability Counsel), Gretchen Gordon (Coalition for Human Rights in Development), Oliver Stuenkel (FGV-SP) e Paulo Esteves (BRICS Policy Centre).
Em sua apresentação, Marcelo Lima, da Secretaria de Assuntos Internacionais da Fazenda, informou que diversas políticas do NBD estão em fase de elaboração e apreciação pela diretoria. Lima compartilhou a posição do governo brasileiro junto aos demais países do bloco sobre a importância de o banco ter uma política de transparência. Gordon expressou preocupação quanto à falta de informações sobre as prioridades do NBD, que não divulgou políticas ou os projetos a serem aprovados, além da ausência de uma estrutura que permita efetiva fiscalização dos projetos financiados. Além disso, lembrou que já existem diversas instituições financeiras internacionais que adotam uma abordagem de direitos humanos no desenvolvimento e que os parâmetros da Agenda 2030 devem ser levados em consideração pelo banco. Komala Ramachandra partiu de sua experiência em levar casos de comunidades afetadas por projetos financiados pelo Banco Mundial aos mecanismos de reclamação (como o Painel de Inspeção) para ressaltar que não basta o estabelecimento de boas salvaguardas socioambientais em nível normativo, mas que é preciso garantir sua efetiva implementação, falha que tem sido recorrente em projetos financiados por outros bancos multilaterais. Acrescentou a isso a importância de o NBD contar com um mecanismo de remediação independente e alinhado aos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, que poderia torna-lo um exemplo mundial de accountability.
A última parte do evento de dois dias foi dedicada à elaboração de uma agenda de curto e prazo de ações da sociedade civil voltadas para a garantia de que os governos dos cinco países e o próprio NBD conduzam um processo transparente e participativo de elaboração das políticas estratégicas e operacionais do banco multilateral, em especial sua política socioambiental e de transparência. A atenção do grupo também se volta para a VIII Cúpula dos Brics, que ocorrerá em Goa, Índia, nos dias 15 e 16 de outubro de 2016.