Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Em 2025, as audiências de custódia completam dez anos de implementação no Brasil, representando um marco importante na defesa dos direitos humanos e na luta contra a violência institucional. Criadas para garantir que toda pessoa presa em flagrante seja apresentada a um juiz em até 24 horas, essas audiências passaram a ser ferramenta essencial na prevenção da tortura, no combate à superlotação carcerária e na garantia de um sistema de justiça mais justo e humanizado.
O mecanismo marca um avanço contra abusos, tortura e prisões ilegais, mas ainda há desafios para que as audiências de custódia cumpram plenamente seus objetivos.
Previstas pela Convenção Americana de Direitos Humanos, as audiências de custódia garantem que a pessoa presa em flagrante seja levada à presença de um juiz em até 24 horas. Durante esse encontro — que deve contar com a presença de representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de um advogado/a — não se discute culpa ou inocência, mas sim a legalidade da prisão, a necessidade da manutenção da custódia e, principalmente, se houve maus-tratos ou tortura no momento da prisão.
No Brasil, as audiências começaram a ser implementadas em fevereiro de 2015, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em um projeto-piloto na cidade de São Paulo. A expansão para todo o país aconteceu ainda naquele ano. Em outubro, a Conectas participou, ao lado de outras organizações, de uma audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em Washington, apresentando os primeiros resultados do projeto.
Antes da implementação das audiências de custódia, pessoas presas podiam passar semanas ou até meses sem falar com um juiz. Essa ausência de contato direto com o Judiciário dificultava a denúncia de agressões e violava garantias básicas de defesa.
Com a audiência, a pessoa presa pode relatar imediatamente qualquer abuso sofrido durante a detenção, garantindo visibilidade a essas violações. Essa prática tem contribuído para expor casos de violência policial e reforçar a responsabilização de agentes estatais.
Segundo dados do CNJ, cerca de 7% das audiências de custódia registram relatos de tortura e maus-tratos. São quase 153 mil casos desde a implementação do modelo — um número alarmante que revela tanto a dimensão da violência quanto a importância do instrumento para combatê-la.
Apesar dos avanços, ainda há obstáculos. No relatório “Tortura Blindada”, produzido pela Conectas, foi constatado que promotores e juízes, em muitos casos, não investigam adequadamente os relatos de violência. O estudo também revelou que muitas dessas agressões são cometidas por agentes do Estado com o objetivo de extrair confissões, evidenciando um padrão preocupante de práticas autoritárias e de negligência institucional.
O reconhecimento da importância das audiências de custódia também está presente no Plano Pena Justa, lançado em resposta à decisão do STF na ADPF nº 347, que reconhece o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro. Entre as 141 medidas previstas pelo plano, estão diretrizes para fortalecer a atuação das audiências como mecanismo de controle da legalidade das prisões, fiscalização de maus-tratos e enfrentamento da superlotação.
A efetividade do Plano Pena Justa e das audiências de custódia depende do comprometimento dos diversos órgãos do sistema de justiça — Judiciário, Ministério Público, Defensorias e IML — em garantir a escuta ativa das pessoas custodiadas e agir diante das denúncias de abusos.
Aos 10 anos, as audiências de custódia seguem sendo uma conquista fundamental da sociedade civil e um importante pilar na luta por um sistema penal menos violento, mais transparente e comprometido com os direitos fundamentais. Para que esse instrumento cumpra integralmente sua função, é necessário que sua implementação seja acompanhada de vontade política, fiscalização ativa e escuta qualificada dos relatos trazidos pelas pessoas privadas de liberdade. Pesquisas da Conectas e de outras organizações mostram que, nesses 10 anos, as audiências de custódia falham em coibir a tortura policial. Relatórios revelam que denúncias de violência feitas por presos em flagrante raramente são investigadas e acabam sob responsabilidade das próprias corporações envolvidas, o que esvazia um dos principais objetivos do mecanismo.