O governador Geraldo Alckmin (PSDB) sancionou hoje projeto de lei aprovado pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) no dia 4/7 que limita o direito à manifestação. O texto, de autoria do deputado Campos Machado (PTB), proíbe o uso de máscaras em protestos e estipula exigência de aviso prévio à Polícia Militar e à Polícia Civil. O texto também veda o porte de objetos que possam ser considerados como “armas” pela polícia.
A investida de Alckmin, que prometeu agilidade na regulamentação da lei, contrasta com a falta de avanços de seu governo na investigação de policiais militares envolvidos em abusos e violações em protestos. Desde os atos de junho de 2013, nenhum deles foi responsabilizado, apesar da grande quantidade de registros e provas apresentados à Corregedoria.
“A sanção do PL é exemplo de uma das mais graves contradições do Estado: age com extrema eficiência para reprimir e suprimir direitos, mas é incapaz de apurar e admitir as próprias violações”, afirma Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas. Para Camila Marques, advogada do Centro de Referência Legal da organização não governamental Artigo 19, “é lamentável que uma decisão dessa envergadura, que atinge diretamente liberdades e garantias constitucionais, esteja sendo tocada sem qualquer debate, e com o fim exclusivo de cercear a liberdade de expressão”.
Direitos suprimidos
Para as organizações, o texto sancionado por Alckmin é inconstitucional e cerceia o direito ao protesto, previsto no artigo 5º da Constituição de 1988.
O uso de máscaras faz parte do direito à personalidade e à liberdade de expressão e não impede que um manifestante se identifique às autoridades. Por outro lado, é notório que ativistas e profissionais se valem de máscaras e capacetes contra o efeito de armas menos letais – tão frequentemente utilizadas de maneira irregular e desproporcional pela polícia, como se viu nos dias 2/7, 12/6 e 15/5 de 2014.
“Além da inconstitucionalidade da norma, é preciso considerar aqueles que utilizam máscaras apenas quando necessário, para se protegerem do gás lacrimogêneo – como é o caso dos nossos voluntários de primeiros socorros”, afirma Alexandre Morgado, voluntário do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), que presta assistência a feridos durante manifestações. “Em dezenas de ocasiões esse gás foi disparado sem motivo, em locais fechados ou durante o socorre de uma vítima. Nesses casos, a máscara é nossa única proteção. Até hoje já socorremos mais de 90 vítimas em manifestações e o gás fez parte desse cenário na vasta maioria das vezes.”
A disposição contra o uso de máscaras também indica que o Estado vê os manifestantes como potenciais criminosos. As forças policiais, por sua vez, passam a ter mais poder para encaminhar ativistas à delegacia – o que fomenta a prática ilegal de prisões para averiguação, já condenada por organizações de direitos humanos e movimentos sociais.
A proibição ao porte de objetos que possam ser considerados como armas também é sensível, já que o texto não é claro e específico, abrindo mais espaço para arbitrariedades. O PL faz referência a “outros [objetos] que possam lesionar pessoas e danificar o patrimônio público ou particular”. O porte de armas, vale lembrar, já está regulado por norma federal.
O aviso prévio também é alvo de críticas, ainda que permitido pelo texto constitucional. Teme-se que seja utilizado pelas polícias para cercear o direito ao protesto, a exemplo do que aconteceu em ato pacífico realizado em julho deste ano na Praça Roosevelt.
As organizações estudam o ajuizamento de ação declaratória de inconstitucionalidade contra a nova lei.
Tendência
Projetos similares ao sancionado hoje em São Paulo também tramitam no Legislativo federal e em outros estados. Em maio, Conectas, Artigo 19 e parceiros enviaram parecer técnico aos deputados federais condenando o PLS 508/2013, que aumenta penas para crimes cometidos durante protestos, quando há uso de máscaras.