Em um mundo em constante ebulição política e transformações sociais e econômicas, como as ONGs do Sul Global podem enfrentar os desafios para se tornarem entidades sustentáveis financeiramente? Como estas organizações devem se relacionar com seus financiadores nacionais e internacionais, sem que eles determinem de forma singular as diretrizes a serem alcançadas? Uma ONG deve ter uma marca para se tornar reconhecida e respeitada dentro e fora de seu país? Estas foram algumas das questões importantes e polêmicas que foram debatidas na manhã da quarta-feira 17 no XII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, que aconteceu na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, e que contou com a presença de 60 ONGs de 39 países. A mesa foi mediada pela Muriel Asseraf, coordenadora de Desenvolvimento Institucional da Conectas.
Denise Dora, da ONG Themis, Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, abriu a discussão sobre o fortalecimento institucional das ONGs dizendo que os primeiros pilares para a criação de uma nova organização são as ideias e como elas se organizam para mudar o mundo em que vivemos. “O motivo principal de uma ONG é o sopro de novidades, de ideias”, disse Denise.
E como transformar estas ideias em algo sustentável? Fateh Azzam da Arab Human Rights Fund, do Líbano, discorreu sobre os inúmeros processos para que uma ONG se torne viável. Ele esclareceu que as organizações se contextualizam dentro de cenários políticos e não há como entrar no universo das ONGs sem a capacidade de compreendê-los. Em termos financeiros, ser sustentável muda de região para região. Nos Estados Unidos ou em países europeus, onde existe uma política de incentivos para os Direitos Humanos, os empresários realizam grandes doações e delas vivem muitas ONGs.
Azzam alerta, porém, que muitas vezes esses doadores acabam determinando uma “agenda” de doação, dando prioridade a certos temas que acreditam ser mais relevante naquele momento. “Se eu estiver trabalhando com os agricultores do Egito, por exemplo, não é sexy suficiente para atrair doadores”, brinca ele. Por isso, Azzam aconselha sempre haver um diálogo direto com que os parceiros financiadores sobre o que realmente é relevante para as ONGs.
Em alguns países, é impensável criar uma ONG, como na Arábia Saudita, diz Azzam. Em outras nações, o governo não impede, mas dificulta o processo, como é o caso do Líbano. Em algumas nações árabes, conta Azzam, as ONGs se camuflam em associações civis, centros de pesquisas e no final do ano, que são obrigadas a acertar as contas, declararam que não obtiveram lucro. Para evitar o controle de informações por parte dos governos, muitas ONGs e seus líderes optam por fixar sua sede fora do país e do exterior enviam recursos. Antever a importância de certas lideranças também é muito importante para os agentes financiadores. Ele conta que no caso dos líderes que participaram da Primavera Árabe, muitos antes do estopim revolucionário, jovens líderes árabes já recebiam apoio financeiro da Arab Human Rights Fund.
A importância da imagem
Além da questão dos recursos e transição gerencial , a imagem das ONGs também entrou para este painel de debates sobre melhorias do desempenho das ONGs. A pesquisadora americana Johanna Chao Kreilick (veja apresentação)da Universidade de Harvard apresentou uma pesquisa realizada com o apoio do Instituto Rockfeller, com algumas ONGs internacionais e americanas, como Anistia Internacional, WWF, Girl Effect e Publish What You Can, sobre como as organizações enxergam o conceito de marca das próprias ONGs.
Uma das descobertas foi que ao associar a palavra marca ao consumo, logo vem uma imagem negativa. “Existe uma desconfiança das ONGs sobre a palavra brand, disse ela. Mas ao compreender marca como parte de uma missão, então a reação passa a ser positiva. Uma das principais ideias apresentadas por Johana é que a marca deveria ser uma percepção interna das organizações sobre como elas são compreendidas por seus parceiros e por seu público. “Marca é uma construção psicológica”, diz ela. “E pode refletir cultura e valores positivos”.
Na parte sobre transição de diretores nas organizações, Azzam disse que reconhecer as lideranças juvenis é fundamental para a renovação das ONGs. A diretora executiva da Conectas Lúcia Nader contou como foi o processo de transição de liderança na organização que ocorreu há cerca de um ano. Lúcia enumerou generosidade, seriedade, legitimidade, responsabilidade e abertura como os principais facilitadores deste processo.
Em seu nome e em nome dos outros dois diretores da Conectas – Juana Kweitel e Marcos Fuchs -, Lucia homenageou Malak Poppovic, presente no encontro, que foi criadora da organização junto com Oscar Vilhena Vieira. “Obrigada pelo profissionalismo, confiança e generosidade que vocês depositaram no processo de transição e por continuar por perto nos ajudando nessa empreitada”, disse Lucia.