A sociedade civil reagiu à tentativa da Câmara dos Deputados de aprovar um projeto de lei que contraria o Marco Civil da Internet, sancionado depois de amplo debate público em junho de 2014. O PL 215/2015, de autoria de Hildo Rocha (PMDB-MA), e os textos a ele apensados permitem que autoridades policiais possam censurar conteúdos na internet e recolher informações de usuários sem ordem judicial em casos de “crimes contra a honra” – calúnia, injúria ou difamação.
Na prática, o projeto impede que políticos que ainda não foram condenados pela justiça sejam alvo de críticas na rede. A proposta também endurece penas para crimes praticados nas redes sociais e impõe uma vigilância massiva contra os usuários.
Dezenas de organizações se manifestaram contra o PL 215, que pode ser votado a qualquer momento pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Em nota pública, as entidades afirmaram que a iniciativa “atenta contra princípios do Estado de Direito, na medida em que se revela como retaliação a direitos estabelecidos, antes mesmo de o Marco Civil estar regulamentado, com o claro objetivo de reverter a vitória que a sociedade brasileira conseguiu no Congresso Nacional”. Elas também criticaram o processo de votação da proposta, sem o devido debate público.
Leia a íntegra do documento:
Atenção, querem mutilar o Marco Civil da Internet!
Entidades da sociedade civil reunidas na Articulação Marco Civil Já repudiam as iniciativas parlamentares que atentam contra a privacidade e a liberdade de expressão.
Estão em tramitação na Câmara dos Deputados diferentes projetos que ameaçam uma das mais importantes conquistas democráticas do último período – a edição do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). O MCI trouxe garantias a direitos fundamentais para os usuários da rede, como a privacidade e a liberdade de expressão, em consonância com orientações internacionalmente aceitas de governança da Internet.
Estimulados por setores privados detentores de grande poder econômico e pelo próprio interesse de coibir manifestações de críticas respaldadas pelo direito de liberdade de expressão, deputados apresentaram na Câmara projetos de lei que alteram o MCI.
O Projeto de Lei 215/2015, apresentado pelo Deputado Hildo Rocha (PMDB/MA), e seus apensos – PL 1547/2015, de autoria do Deputado Expedito Netto (SD/RO), e PL 1589/2015, da Deputada Soraya Santos (PMDB/RJ) – propõem que se inclua no art. 48 e no art.141 do Código Penal uma punição mais dura para os crimes praticados nas redes sociais. Além disso, alteram dispositivos da Lei 12.965/2014, apresentando nova redação aos arts. 10, 13, 15, 19 e acrescentando o art. 21-A, para permitir que dados dos usuários sejam fornecidos a autoridades públicas independentemente de ordem judicial, assim como a obrigatoriedade de retirada de conteúdos postados na internet, nos casos de mera alegação de crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação –, impondo penalidades de restrição física e econômicas ao provedor de internet, comprometendo o princípio da inimputabilidade da rede. Entre os dados dos usuários que podem ser obtidos sem ordem judicial estão os conteúdos das suas comunicações na Internet – teor de e-mails, mensagens e conversas em aplicações como Skype e Whatsapp, por exemplo.
Na sétima e última versão do substitutivo, a proposta ainda prevê a ampliação dos dados cadastrais a serem coletados pelos provedores de internet, impondo a obrigação de reterem dados como endereço completo, telefone e CPF, que poderão ser repassados, sem ordem judicial, para autoridades que tenham atribuição legal para fazer esse pedido.
O PL 215/2015 coloca em risco o necessário equilíbrio entre a proteção do direito à privacidade e a persecução criminal, bem como a própria democracia ao permitir tais abusos.
Tais proposições já foram rejeitadas durante a tramitação do MCI. Aliás, vale destacar que os dispositivos hoje presentes no Marco Civil foram resultado de um amplo debate social e de uma intensa negociação política, o que torna esta uma das leis mais democráticas já votadas na recente história do Congresso Nacional.
Acreditamos que qualquer alteração na Lei nº 12.965/2014 deva ser precedida de uma discussão qualificada, amparada por reflexões técnicas, políticas e sociais. É necessário haver, principalmente, intensidade de participação democrática equivalente ao processo do qual se originou, com um processo de consulta pública, para que a sociedade possa fazer representar seus interesses relativos à proteção de dados pessoais e liberdade de expressão na internet.
Sabemos que uma ala bastante significativa do PMDB se opôs frontalmente à aprovação do Marco Civil da Internet, representando interesses retrógrados e de agentes econômicos poderosos. Entretanto, tais interesses não podem prevalecer sobre as garantias instituídas pelo processo legislativo democrático e sobre o interesse público tão defendido no debate do MCI.
A iniciativa dos mencionados deputados atenta contra princípios do Estado de Direito, na medida em que se revela como retaliação a direitos estabelecidos, antes mesmo de o Marco Civil estar regulamentado, com o claro objetivo de reverter a vitória que a sociedade brasileira conseguiu no Congresso Nacional.
Portanto, as entidades reunidas na Articulação Marco Civil Já repudiam a manobra artificiosa e anti-democrática levada adiante pelo PMDB, que estimula o vigilantismo arbitrário e a censura desarrazoada, atentando contra o Estado de Direito e exige que os deputados aguardem o processo democrático já estabelecido pelo Executivo quanto ao PL de Proteção de Dados Pessoais que tratará do mesmo tema, porém, com a ampla participação.
Articulação Marco Civil Já
ABONG – Associação Brasileira de ONGs
Actantes
ACT+ – Aliança de Controle do Tabagismo e Saúde
Advogados Ativistas
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
ANDI – Comunicação e Direitos
Artigo 19
ASL – Associação Softwarelivre.org
Associação das Rádios Públicas do Brasil (ARPUB)
Associação dos Blogueiros e Ativistas do Paraná – ParanáBlogs
Autres Brésils (associação francesa de intercâmbio cultural Brasil-França)
Baixa Cultura (baixacultura.org)
Casa da Cultura Digital Porto Alegre
Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé
Centro de Estudos de Mídia Alternativa Baronesa de Itararé (Núcleo do Barão de Itararé no Paraná)
Cibercult UFRJ
Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada
CLADEM – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
Clube de Engenharia
Coding Rights
Coletivo Digital
Coletivo de Juventude Kizomba
Coletivo Locomotiva Cultural
Coletivo Pedra no Sapato
Coletivo Soylocoporti
Comunidade Curitiba Livre
Conectas Direitos Humanos
Federação dos Radialistas (Fitert)
Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL)
Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicações (Fitratelp)
Flacso Brasil
FLISOL Brasil – Festival Latino-americano de Instalação de Software Livre
Fora do Eixo
Fórum de Mulheres de Pernambuco
Fórum de Transparência, Participação e Controle Social
Fórum Mundial de Mídia Livre
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
FotoLivre.org
Fundação Blogoosfero
Fundación Ciudadano Inteligente – Chile
Grupo de Estudos de Direito da Internet (GEDI/UFRN)
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Bem Estar Brasil
Instituto Beta Para Internet e Democracia (IBIDEM)
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)
Instituto Brasileiro de Políticas Digitais – Mutirão
Internet Sans Frontieres (Internacional)
Internet Sem Fronteiras Brasil
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Justiça Global
Labhacker
Laboratório de estudos sobre Internet e Cultura (LABIC/UFES)
Laboratório experimental de tecnologias livres (LABLIVRE)
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial das Mulheres – Pará
Mídia Ninja
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Movimento Mega
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) da UFMG
Observatório da Mulher
Open Knowledge Brasil
Pimentalab – Unifesp
PROTESTE – Associação de Consumidores
?#?Redelivre?
Renajoc – Rede Nacional de Jovens e Adolescentes Comunicadores e Comunicadoras
SindijorPR – Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná
Sindicato dos Radialistas no Estado de São Paulo
SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
Tie-Brasil
Transparência Hacker
União de Mulheres de São Paulo
União Norte Rio Grandense de Estudantes de Direito Internacional (UNEDI)
Viração Educomunicação