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24/12/2023

Assinado por Lula, indulto natalino perdoa dívidas e possibilita retomada dos direitos políticos

Entre as restrições, estão condenados por racismo, crimes contra mulher e a administração pública



Foto:Conectas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto que concede indulto natalino a pessoas em situação de cárcere condenadas ou submetidas à medida de segurança. Publicado na última sexta-feira (22/12), no Diário Oficial da União (DOU), o ato marca o primeiro indulto de natal do terceiro mandato de Lula.

O indulto é uma prerrogativa do presidente da República respaldada, mas também limitada, pela Constituição. Não podem ser indultadas, por exemplo, pessoas condenadas por crimes de terrorismo, tortura, crimes hediondos e tráfico de drogas.

O decreto beneficia pessoas condenadas pela prática de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. As restrições previstas restringem a aplicação do indulto humanitário e daquele gerado pelas violações do sistema penitenciário inviabilizando sua efetividade para casos tradicionalmente contemplados pelo indulto. Além disso, não houve avanço significativo a crimes a que se atribui a maior parte da população carcerária no Brasil.

Ao contrário do benefício da saída temporária, popularmente chamado de “saidinha”, que ocorre em datas comemorativas específicas, como Natal, Páscoa e Dia das Mães, o indulto natalino é um perdão definitivo da pena e cabe às pessoas aptas o ingresso na Justiça para efetivação do benefício.

Carolina Diniz, Coordenadora de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, reforça a importância de que o sistema de justiça seja célere na aplicação das regras do decreto, superando práticas que tradicionalmente mitigam o seu impacto, como avaliações subjetivas e despachos protelatórios. “O decreto determina que a negativa seja justificada e que as administrações penitenciárias encaminhem listas de pessoas que possam ser beneficiadas, algo proativo. Também elenca a defensoria, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conselhos penitenciários e outros como responsáveis pelo pedido”, explica.

O ato, elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, e submetido à análise do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, tradicionalmente tem sido uma prática de indulgência a pessoas em difíceis condições de saúde após serem condenadas, como cegueira, paraplegia e tetraplegia. A concessão do indulto humanitário, contudo, também ficou restrita à prática de crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa.

Ao longo dos anos, houve avanços importantes no mecanismo de indulto, como a aplicação de regras para condenados por tráfico privilegiado — já considerado como não hediondo pelo Supremo Tribunal Federal –, mães presas, pessoas condenadas por crimes patrimoniais sem violência e para mulheres. Tais hipóteses foram mantidas no atual decreto.

Mulheres com filhos menores de 18 anos, ou filhos que tenham doenças crônicas graves ou deficiências, também são favorecidas, em condições específicas caso as condenações sejam superiores ou inferiores a 8 anos. Pessoas com deficiências permanentes anteriores aos delitos, doenças graves permanentes ou crônicas e transtorno do espectro autista severo também foram incluídas.

A depender do tempo de cumprimento da pena, condenados com sentença inferior a 12 anos de reclusão e pessoas com mais de 60 anos também podem acessar o benefício.

Neste ano foram beneficiadas pessoas condenadas à pena de multa, desde que não supere 20 mil reais, valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, ou que não tenham capacidade econômica de arcar com a dívida. A previsão não está restrita a crimes sem violência ou grave ameaça e pode beneficiar um número significativo de pessoas vulneráveis, que além da dívida financeira, seguiam com direitos políticos suspensos e dificuldade em acessar documentos civis.

Quem foi excluído do indulto natalino?
Pessoas condenadas por crime contra o Estado Democrático de Direito (a exemplo dos atos golpistas de 8 de janeiro), tortura, crime hediondo, crimes ambientais, crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), violência contra a mulher, tráfico de drogas, chefes de facções criminosas, apenados submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) ou em prisões de segurança máxima e pessoas que tenham celebrado acordo de colaboração premiada.

Governo anterior
Durante os quatro anos de gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os indultos natalinos foram marcados pelo benefício de agentes de segurança pública e militares das Forças Armadas condenados por “excesso culposo”, que tinham cumprido ao menos um sexto da pena ou a metade desse tempo, no caso de réus primários. O último ano também ofertou o indulto a agentes de segurança condenados por atos praticados há mais de trinta anos e não considerados hediondos – artigo considerado feito sob medida para os policiais que participaram do massacre do Carandiru, em 1992. Somente em 1994 homicídios dolosos foram considerados hediondos.

A ação foi avaliada por Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas, como um estímulo a ações ilegais de uso da força e aos enormes índices de letalidade policial, tendo impacto negativo especialmente sobre a vida de jovens negros e periféricos, principais vítimas da violência do Estado no Brasil. “O indulto retoma uma trajetória de ser um instrumento de política criminal e penitenciária, e, como tal, reabre a possibilidade para que possamos avançar em mais agendas nessa área ainda não enfrentadas neste decreto.”

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