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24/09/2024

Assembleia da ONU: Lula defende multilateralismo contra crise climática e regulações para plataformas digitais

Menção tímida sobre povos indígenas e ausência de referência à crise política e de direitos humanos na Venezuela são pontos fracos do discurso; leia análise da Conectas

Lula discursa na ONU. Foto: Michael M. Santiago/Getty Images/AFP. Lula discursa na ONU. Foto: Michael M. Santiago/Getty Images/AFP.

Na abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou seu compromisso com o enfrentamento da crise climática, em meio aos graves incêndios florestais no Brasil. Lula também afirmou que a América Latina não se intimida diante de plataformas digitais que se consideram acima da lei, fazendo uma referência velada ao descumprimento de ordens judiciais brasileiras pela plataforma X (antigo Twitter).

O Brasil tradicionalmente abre a sessão de discursos da Assembleia Geral, sendo esta a nona vez que Lula ocupa a tribuna das Nações Unidas para inaugurar um dos principais fóruns globais, que discute os grandes desafios relacionados à promoção da paz, democracia e direitos humanos. A assembleia reúne os 193 Estados-membros da ONU.

Crise Climática

Em seu discurso, Lula destacou as emergências climáticas enfrentadas pelo Brasil, como as graves enchentes no sul do país e a pior seca na Amazônia em 45 anos. “Meu governo não terceiriza responsabilidades, já fizemos muito, mas ainda há muito mais a ser feito”, afirmou, ao ressaltar a soberania brasileira sobre suas políticas ambientais. Ao citar a COP30, que será realizada em Belém (PA) em 2025, o presidente afirmou estar convicto de que o multilateralismo é o único caminho para superar a urgência climática.

Lula afirmou ainda  que o Brasil é um dos países com a matriz energética mais limpa e mencionou que o Brasil deve lançar ainda esse ano a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), “em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a um grau e meio”. 

O presidente também destacou a necessidade de ouvir as comunidades indígenas e tradicionais. “Não é mais admissível pensar em soluções para as florestas tropicais sem ouvir os povos indígenas, comunidades tradicionais e todos aqueles que vivem nelas. Nossa visão de desenvolvimento sustentável está alicerçada no potencial da bioeconomia”. Apesar dessa referência, Lula não trouxe para o discurso os conflitos em torno do marco temporal que envolve o Judiciário e o Parlamento brasileiro.

Para Júlia Neiva, diretora da Conectas Direitos Humanos, a postura de Lula ao reconhecer a gravidade da crise climática é positiva. “Isso permite que a sociedade civil cobre ações concretas, tanto para responder às emergências dos incêndios quanto para soluções de longo prazo”. Contudo, Neiva alerta que passar a imagem à comunidade internacional de que a matriz energética do Brasil é limpa e sustentável pode ser problemático, dado o histórico de violações de direitos socioambientais, que envolvem desde hidrelétricas até parques eólicos. “Ainda que  a energia renovável seja um dos melhores caminhos possíveis, é fundamental, que a transição energética seja justa e inclusiva.”

Sobre a COP 30, Neiva destaca que “o Brasil deve se comprometer em garantir um evento com participação efetiva da sociedade civil e de comunidades indígenas e tradicionais que tanto contribuem para a preservação do meio ambiente”. 

Plataformas digitais e Inteligência Artificial

Outro ponto central do discurso de Lula foi a regulação das plataformas digitais e da inteligência artificial. O presidente alertou sobre as “assimetrias que levam ao oligopólio do saber”, criticando a concentração de poder nas mãos de um pequeno grupo de empresas e países. “A IA precisa ter a cara do Sul Global, respeitar os direitos humanos e promover a integridade da informação”, afirmou Lula, defendendo que a tecnologia deve ser uma ferramenta para a paz, e não para a guerra.

Lula fez ainda uma alusão ao empresário Elon Musk, afirmando que “empresários não estão acima da lei”, em alusão ao controle do STF sobre a plataforma X. Para ele, as plataformas digitais devem ser responsabilizadas pela disseminação de discursos de ódio, racismo e desinformação.

As organizações Conectas, D-Hub e Geledés – Instituto da Mulher Negra, em documento enviado com contribuições para o Estado brasileiro na Cúpula contra Extremismos, afirmam que plataformas digitais “beneficiam-se da ausência de regulação no tratamento dos impactos da tecnologia na maioria dos países”. As entidades ressaltam a importância de se pautar o debate sobre a integridade da informação e a regulação da IA em fóruns internacionais e que o Brasil atue tanto interna quanto externamente para regulamentar as plataformas digitais, visando coibir a disseminação de discursos de ódio, racismo, misoginia, desinformação e ameaças à democracia.

Crises globais

Lula afirmou que o Brasil condenou firmemente a invasão do território ucraniano pela Rússia e disse ver com pesar a “guerra se estender sem perspectiva de paz”. Para ele, “criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento”. Ao tratar de Gaza, o presidente brasileiro também afirmou que o mundo assiste a “uma das maiores crises humanitárias da história recente, que agora se expande perigosamente para o Líbano”. O presidente salientou que a “ação terrorista de fanáticos”, em referência aos ataques do Hamas contra civis israelenses, “tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”, destacando que são mais de 40 mil vítimas fatais.

Embora tenha citado que 300 milhões de pessoas necessitam de ajuda humanitária no mundo, o presidente não mencionou a crise na Venezuela. “A ausência do tema no discurso surpreende, pois o Estado brasileiro tem se colocado como um ator importante para mediar o conflito no país latino-americano. Além disso, não se trata apenas de uma crise político-eleitoral, mas de uma crise migratória e humanitária, com impactos nos direitos humanos com graves violações como redução do espaço de atuação da sociedade civil, detenções arbitrárias e repressão violenta a protestos”, analisa Julia Neiva.

Agenda em Nova York

A agenda do presidente Lula em Nova York inclui reuniões bilaterais e outros eventos públicos focados na defesa da democracia, crise climática e combate ao extremismo. Além da abertura da Assembleia da ONU, o presidente já participou da Cúpula do Futuro, no domingo (22), na sede das Nações Unidas (ONU), em Nova York. No evento, foi aprovado o Pacto para o Futuro, um documento que inclui compromissos sobre reformas no sistema multilateral. Ainda nesta terça-feira (24), Lula deve participar do debate “Defesa da Democracia, Combatendo os Extremismos” ao lado de outros países, como Espanha, Barbados, Cabo Verde, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, França, Quênia, México, Noruega, Senegal, Timor Leste, o Conselho Europeu e as Nações Unidas.

Conectas em Nova York 

A Conectas está em Nova York participando de eventos. Entre eles, o Action Days, da Cúpula do Futuro, que reuniu mais de 1,6 mil participantes na sede das Nações Unidas, com o protagonismo dos jovens, e a Climate Week, que contou com um painel sobre justiça climática.

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