Armas menos letais de fabricação brasileira já foram alvo de polêmica ao serem usadas por governos como o do Barein e da Turquia na repressão a manifestações populares. Um grupo de especialistas da ONU acaba de concluir que elas também chegaram à Costa do Marfim, país que desde 2004 enfrenta um embargo de armas imposto pelo Conselho de Segurança da ONU.
A descoberta coloca em xeque o comprometimento do Brasil com o bloqueio. Segundo o documento apresentado em outubro, a Unidade de Monitoramento de Embargos da missão das Nações Unidas no país encontrou evidências de utilização de lançadores de granadas menos letais e munição fabricadas pela empresa brasileira Condor.
Em carta enviada ao ministro da Defesa Celso Amorim, Conectas e o escritório marfinense da rede Réseau d’action sur les armes légères en Afrique de l’ouest (RASALAO) pedem que o Brasil esclareça que medidas estão sendo tomadas para “assegurar que armas provenientes do território brasileiro não estejam sendo ilegalmente transferidas para a Costa do Marfim ou territórios onde existem embargos de armas ou conflitos armados”.
Segundo o relatório do grupo da ONU, o governo brasileiro se apoiou justamente nas transferências ilegais para explicar a descoberta dos armamentos. Tanto o governo brasileiro como a Condor confirmaram que uma venda desse tipo de artefato foi feita à vizinha Burkina Faso em 2012. Segundo as organizações, essas armas foram repassadas à Costa do Marfim.
A resolução 1572 do Conselho de Segurança, que instaurou o embargo, é taxativa nesse sentido: “todos os Estados devem (…) adotar as medidas necessárias para prevenir o fornecimento direto ou indireto, a venda ou a transferência à Costa do Marfim (…) de armamentos ou materiais relacionados”.
“O Brasil tem a responsabilidade de assegurar que Burkina Faso e outros países da região para os quais são vendidas armas brasileiras tomem as medidas necessárias para controlar os armamentos dentro de seus territórios”, diz a carta enviada ao ministro.
A Costa do Marfim ainda sofre as consequências de uma violenta guerra civil e vive em estado de alerta desde a prisão do ex-presidente Laurent Gbagbo em 2011. Gbagbo, que se recusou a deixar o cargo depois de perder as eleições em 2010 e instaurou um estado de terror, é acusado pelo Tribunal Penal Internacional de ter cometido crimes contra a humanidade. O país segue dividido e graves violações de direitos humanos foram registradas entre apoiadores e opositores do presidente deposto.
Tratado histórico
Em junho, o Brasil deu um importante passo para o controle do mercado de armamentos ao assinar, na sede da ONU, o Tratado sobre Comércio de Armas (ATT, na sigla em inglês). O acordo regula as transferências de armas convencionais e prevê que o País incremente o monitoramento para garantir que artefatos brasileiros não sejam usados na violação de direitos humanos.
O tratado ainda não entrou em vigor, mas tem potencial de tornar as transações brasileiras mais transparentes. Hoje, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Itamaraty e Ministério da Defesa não fornecem informações sobre contratos privados.
Segundo o projeto “Small Arms Survey”, do Graduate Institute of International and Development Studies em Genebra, na Suíça, o Brasil é o segundo maior produtor de armas leves do hemisfério ocidental, atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que esse mercado tenha movimentado mais de US$ 330 milhões entre 1992 e 2011, conforme o levantamento “Mapping Arms Data”, do Instituto Igarapé e Peace Research Institute de Oslo.