Na mesma noite em que policiais do Rio de Janeiro dispersavam manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, em São Paulo, no Epicentro Cultural, Marcos Fuchs, diretor-adjunto da Conectas, e João Paulo Charleaux, coordenador de Comunicação, debatiam a desmilitarização da polícia – uma pauta cada vez mais evidente entre grupos e movimentos sociais que, desde junho, promovem mobilizações em todo o país.
Apesar do destaque que ganhou nas últimas semanas, a violência policial não é um problema recente. É histórico. Como lembrou Charleaux, ela acomete principalmente contra jovens, negros, moradores da periferia. “A truculência da polícia é velha conhecida dos pobres, apesar de raramente ter gerado debates como esse”, disse. Os números ajudam a dimensionar o problema: só em 2012, 582 pessoas foram mortas por policiais civis e militares, em folga ou em serviço, no estado de São Paulo segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. No primeiro trimestre de 2013 foram 73.
Para Fuchs, a chance de promover as mudanças necessárias para reformar a estrutura da segurança pública no país foi desperdiçada em 1988, ano de promulgação da Constituição vigente. Para ele, uma reestruturação real e profunda agora depende, entre outros, investigação e transparência sobre os casos de abuso, investimento e formação em inteligência e reestruturação das carreiras e remuneração adequada dos policiais. “Quando falamos em polícia, pensamos automaticamente em uso da força. Isso precisa mudar”, disse.
Charleaux falou da importância do debate sobre desmilitarização, mas não apontou respostas fechadas sobre como ela deveria se dar. “O momento é rico para o debate. A sociedade está sendo perguntada sobre se quer ou não ter polícia. E como deveria ser uma polícia num regime democrático, subordinada ao poder civil e respeitadora dos direitos humanos”. Para ele, o modelo que deve ser claramente rejeitado é o da “PM que vê em alguns cidadãos alvos a serem eliminados. A favela, por exemplo, é território inimigo, onde a força pode ser usada com perfil de operação de guerra. Isso é um absurdo”, afirmou.
Da rua para os presídios
Os representantes da Conectas no debate também explicaram que o comportamento violento da polícia faz parte de um quadro mais amplo, que se relaciona com o amplo respaldo dado por parte da sociedade e desemboca na política de encarceramento em massa, responsável por colocar o Brasil no topo da lista de países que mais aumentaram sua população carcerária nos últimos 10 anos.
“O modelo policial e prisional brasileiro está falido”, disse Fuchs. Segundo o Ministério da Justiça, o país possui 548 mil presos e um déficit de mais de 200 mil vagas. Marcos Fuchs, por sua vez, mencionou o deplorável estado dos presídios e centros de detenção provisória – o que dificulta a reinserção e alimenta o ciclo de violência. “Não temos um sistema eficiente.” Prova disso é o índice de reincidência de egressos das prisões brasileiras, da ordem de 60%, segundo levantamento de 2007 da Unicef.
As graves violações de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro rivalizaram em interesse com a desmilitarização. Uma das questões levantadas pelo público, por exemplo, referia-se à privatização de presídios – um processo que já é realidade em pelo menos cinco estados. “A polícia prende, o promotor denuncia, o juiz decide ou não pela prisão. Se ele for preso, deverá cumprir a pena. É, portanto, responsabilidade do Estado zelar pelo preso”, explicou Fuchs. “Além disso, preso não é objeto de contrato. Com a privatização você vai criar a indústria do preso. Prender vai ser um ótimo negócio.”
O evento foi transmitido ao vivo pela internet pelo Ninja / #PósTV. Veja o vídeo com a íntegra do debate:
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